Vestida de preto da cabeça aos pés, uma silhueta avança pelo portal recém-aberto, seguida por névoa e mistério. Sharon den Adel, uma bruxa dos nossos tempos, faz um pacto de sangue em busca pela redenção e enfeitiça milhões com a voz única que tornou o Within Temptation uma das bandas de metal melódico mais bem sucedidas do mundo nos últimos 26 anos. 

O ritual executado no clipe de “The Purge” é uma representação da necessidade de purificação que a humanidade expressa incessantemente ao longo dos séculos, ciente de que esse tema atravessa as bordas da fantasia e se mostra urgente no mundo atual. As lutas internas pela aceitação e autoconhecimento se tornam mais difíceis quando a população global ainda tenta sobreviver a uma pandemia sem previsão definitiva para acabar. 

Sendo o Within Temptation uma banda de contadores de histórias, seja nas letras, clipes ou mundos pós-apocalípticos de realidade virtual na grandiosa live The Aftermath, transmitida em julho, temáticas atuais como saúde mental e encontrar forças para se reerguer depois da destruição dão o tom dos últimos singles da banda. 

Na impossibilidade de lançar mão de magia para expurgar os males, Sharon aconselha acompanhamento psicológico – mesmo para quem está bem no momento. “É importante perceber que carrega algo dentro de si. Gosto de enfrentar as coisas de frente, não quero nenhuma sombra eclipsando minha felicidade, acho que é importante saber o que você quer na vida para fazer a coisa certa para se livrar de traumas”, aconselhou em entrevista ao Wikimetal. “É bom conversar sobre as escolhas na vida, nem sempre precisa ser sobre as partes pesadas da vida. Pode ser, mas não precisa”. 

Dois anos após Resist (2019), a banda holandes prepara o oitavo álbum de estúdio da carreira. Ainda sem título ou previsão de lançamento, os singles já divulgados acompanham o andamento do Within Temptation no estúdio, algo inédito na carreira. “Quando você está escrevendo, uma música surge e o álbum sai dois anos depois. Às vezes, perde a emoção e a ideia que você teve ao escrever”, contou a vocalista. “Antes do COVID-19, decidimos que faríamos isso: ok, vamos escrever, lançar, sentir a reação [do público] e partir para a próxima para ver como isso funciona”. 

Em quase três décadas de trajetória, a banda não tem medo de inovar e essa nova abordagem para o álbum é só mais um sinal disso. Assim que decidem gravar um novo projeto, os integrantes procuram entender as novas tendências do mercado musical e conhecer outras bandas, em uma busca constante por renovação e evolução que nem sempre é bem vista pelos fãs de longa data. 

“Eu entendo. Todo mundo se conecta à música como memórias”, observou. “Eu também tenho minhas bandas favoritas e, por mais que eu entenda que as pessoas precisam mudar para que fazer música não se torne entediante, as pessoas que escutam música nem sempre entendem que conectaram as próprias lembranças às canções. Isso é lindo, sem dúvidas, mas também os impede de manter a mente aberta para mudanças”. 

Quando se trata dos fãs de heavy metal, porém, essa conexão é levada a um nível mais profundo. “Acho que fãs de rock e metal são muito leais e desejam permanecer assim, porque já escolheram ser diferentes e não seguir a música mainstream. Por causa da lealdade, eles também são mais críticos”, analisou. “Acho que, se você gosta de música pop, pode passar de artista em artista, mas com heavy metal são pessoas que realmente querem abraçar sua música. Se a sonoridade muda, existe mais dificuldade, porque os fãs querem se agarrar a isso”. 

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Como uma pessoa que conhece o poder terapêutico da música na própria vida, Sharon não tem medo de deixar as emoções fluírem quando escreve ou canta. “É difícil, não acontece sempre, na maioria das vezes você consegue cantar sem quebrar, mas às vezes a emoção surge, algumas coisas acontecem e o sentimento retorna. Quando você é frágil, está tudo bem em deixar transparecer. Se é espontâneo é honesto, tudo bem, todo mundo consegue entender. No palco, você mostra uma parte vulnerável de si, é um pedaço da sua alma”.

Em “Shed My Skin”, lançamento mais recente da banda, o renascimento das cinzas parte de um lugar de vulnerabilidade e dor. “É sobre se tornar quem você deveria ser. Às vezes, por causa da família na qual você nasceu ou algumas circunstâncias, você não consegue entender quem é. Você quer mudar, mas isso não é aceito, mas esse é um crescimento que não pode ser parado, é importante abraçar isso”, explicou. “Você só está vivo enquanto está crescendo”. 

Com turnê com Evanescence confirmada para 2022 após adiamentos devido à pandemia, Within Temptation já sentiu o gostinho dos palcos novamente. O grande retorno aconteceu na Finlândia, em 29 de julho, para um público de 10 mil pessoas no festival Kuopiorock. “O bizarro é que a plateia não estava dividida em ‘bolhas’, estavam em uma grande multidão! Os fãs não precisaram usar máscaras, aparentemente o governo não pode obrigar os cidadãos”, comentou o produtor do evento após o show. 

Apaixonada por moda, a cantora chegou a fazer faculdade e trabalhar na área antes de mergulhar na música. Esses conhecimentos ajudaram a criar a imagem de palco e parte dos cenários pelos quais a banda é conhecida. “Começou como uma metáfora para mudar da Sharon do cotidiano para a persona no palco. Não é uma transformação nem atuação, porque é uma versão maior de si mesma, mas facilita. Você se sente mais bonita”, deu risada. “Especialmente no começo, me ajudou a fazer os shows. Abracei o fato de que eu era diferente dos caras e não me importava em mostrar isso. É mais uma forma de me expressar”. 

Quando a banda surgiu, nos anos 1990, havia um número ainda menor de mulheres na cena do metal. Incentivada pela família desde cedo a ouvir música, com uma mesada mensal destinada à compra de discos de vinil, Sharon teve a sorte de não enfrentar preconceito e abraçou as diferenças feminilidade como um grande diferencial para o Within Temptation, trazendo “ar fresco” para o gênero. 

“Sempre serei uma mulher em primeiro lugar, é a primeira coisa que as pessoas enxergam. Eu abracei isso, gosto e estou feliz com quem sou e na minha pele”, contou. “Eu sempre tentei trazer uma melodia e suavidade, sempre gostei do embate entre a voz feminina e masculina no peso da música. Enquanto mulheres, trazemos um novo sabor com as vozes mais agudas, é um som diferente com suavidade, ternura e contraste com toda o peso – que eu amo, mas gosto de ser um contraponto”. 

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