Texto escrito por Luiz Pimentel
Val Santos é meu amigo há uns 35 anos. É fundamental colocar isso no início da resenha por dois motivos: 1) me confere o direito de atropelar nossa relação e não falar com ele para não ser influenciado na hora de escrever. 2) me confere o dever de avisar você, leitor, para que saiba que garante honestidade na hora de escrever. Feito o preâmbulo, estou falando do disco 1986, que ele lança agora.
Val, me desculpa, mas se a intenção foi relacionar a obra ao som que ouvíamos nessa época a que se refere no título (ano em que nos conhecemos, aliás, e você era mais da pirotecnia – piada interna com a tentativa dele de incendiar o Colégio Rio Branco – do que roadie do Viper) o batismo do disco traduz só metade do resultado final.
1986 é um Discaço, com D maiúsculo. Mas emula bem mais que o miolo da década em que vivemos o heavy metal como ninguém mais no país.
Era imediatamente pós-Rock in Rio 1, quando os repórteres globais tentaram nos cunhar com o termo metaleiros, do qual fugíamos como vampiros de alhos e cruzes, pois nos achávamos (e denominávamos) “headbangers”.
Só que de cara “Fire” flerta em peso com outra new wave of heavy metal, a contemporânea e norte-americana, puxada por Lamb of God e quetais. Tudo bem que o Metallica tá bem representado no vocal de Alexandre Grunheidt (não por acaso cantor do tributo à banda, Damage Inc., e também do Ancesttral) e na guitarra do filho do Andreas, Yohan. Mas convenhamos que a força maior está na nova onda de metal americano.
“Cross the Line” vai pelo melódico do seu tempo de batera do Viper, com o ex-Scars Thiago Oliveira, e se situa no radar do título do disco. “Destruction”, com sua pegada “Damage Inc.” (a música) encontra Anthrax, apesar dos arranjos e pitadas de século 21 em dramaticidade, também cabe no pacote 80s.
Mas “Dead Words”, mesmo que levada pelo nosso irmão em comum e que nos apresentou, o guitarrista Felipe Machado, vai mais para o Soundgarden baixando a afinação a elogiar o Black Sabbath na cavalgada rítmica.
“Dreamer”, “Miracle” e “Super Heroes” pegam bem a nossa descoberta do metal melódico quando nem levava esse nome. Aliás, quem o protagonizou primeiro: Helloween ou Viper? Tenho por mim que cabeças geniais pensam iguais e que ambos estavam a criar uma vertente sem que soubessem um do outro.
Mas estou divagando e fugindo do disco. Desculpe.
“Dreamer” e “Super Heroes” têm o mesmo vocal – Bruno Mariante Gracioli – e a mesma pegada NWOBHM (agora sim a britânica dos early eighties) nas guitarrinhas melodicamente dobradas. Ah, como eu queria ter a capacidade para fazer isso naquele tempo.
Ensanduichada está (talvez) a melhor cover de hard rock oitentista que já ouvi. “Allied Forces”, que já era perfeita com o Triumph desde que a conhecemos nas exibições do “US Festival 83”, no Rock Show (acho que vi todas as sessões quando passou), ganha um frescor com o nosso outro brother of metal no baixo, Nando Machado, e com o Leandro Caçoilo no vocal (aliás, como canta esse cara! Não tem nota que ele não alcance).
“Savage Hearts” é como uma descoberta de riff do Vivian Campbell de seus tempos de Dio, “Desert of Ideas” igualmente segue a dinâmica e estrutura do eterno Holy Diver em tantas variações e cadências quanto cabe em seus 5m39s instrumentais e fechamos com “Warriors of Metal”.
Tá legal, Val. Aí sim fizemos justiça a 1986. Era a sua resposta a “Heavy Metal is the Law”, do Helloween, aposto. Isso quando você tinha o Zuris – até resgatou o vocalista, Mauro Coelho, e ainda chamou o Marquinhos (Marcos Klein, atual Ultraje a Rigor), que tinha o Exhort com o Nando (por que, raios, você não foi baterista da banda então?).
Todo o nosso 1986 está aí. A afirmação de que éramos/somos os guerreiros do metal, tanto quanto o Korzus.
Sabe o que me lembra isso? 10 anos depois (de 86) quando jogamos o Rock & Gol como Viper e você era o técnico. Ayala no gol, Vadão, Yves, Felipe, Pit, Marquinhos e eu na linha e entramos cantando a defesa do gênero (“Au, au, au, espada do metal” – deve ter isso no YouTube). E que década a década você e os brothers of metal relacionados acima continuam me/nos enchendo de orgulho.
Baita, baita disco esse 1986. Você não eternizou a década, eternizou muito de nossas vidas na música.
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