No dia 11 de março, Sammy Hagar anunciou que sua turnê na América do Sul tinha sido cancelada. O ex-Van Halen apresentaria quatro shows em sua primeira passagem no Brasil, mas devido ao surto do novo coronavírus a viagem não pôde acontecer. O rápido e fácil contágio do vírus forçou uma avalanche de cancelamentos e adiamentos.
Os artistas, desde então, estão buscando novas formas de se conectar com os fãs e continuar em contato com a sua arte, como o próprio Sammy Hagar, que tem gravado covers com os colegas do The Circle enquanto em isolamento social. Porém uma turnê sustenta muito mais que o artista. Nos bastidores existe uma equipe enorme para fazer os shows acontecerem.
“Eu nunca fiquei tanto tempo sem viajar como estou agora”, confessou Pedro Nicolas, tour e stage manager e produtor que já trabalhou com Sepultura, Red Fang, Dio e Scorpions.
Com o passar dos anos, a indústria do entretenimento ao vivo tem crescido cada vez mais. O Guns N’ Roses, com a turnê Not in This Lifetime, que esteve na estrada entre 2016 e 2019, apresentou cerca de 160 shows ao redor do mundo para mais de cinco milhões de pessoas. No Brasil, a DataSIM divulgou uma pesquisa em março e constatou que mais de oito mil eventos com um público total de oito milhões seriam afetados pela pandemia. A perda totalizou quase 500 milhões de reais, estimou a pesquisa.
Leo Soares é técnico de bateria e stage manager que já trabalhou com bandas como Saxon, Angra, Motorhead e Scorpions, e contou como os cancelamentos afetam esses funcionários: “Muitos estão em péssima situação financeira e alguns até estão sofrendo com outros tipos de problemas como depressão.”
“Não sei de nenhuma informação. Creio que esse ano morreu”, disse Adriano Chiesa, segurança de turnê mais conhecido como Night. Ele já trabalhou com Slipknot, Metallica, AC/DC, Judas Priest e no meio é famoso como o “segurança do Megadeth”. Night estava pronto para viajar com Sammy Hagar quando tudo aconteceu. “Ficar em casa está sendo difícil. Sinto falta das turnês, de estar cansado demais e de ter que entrar no tour bus porque a banda toca no dia seguinte em outro país”, confessou.
Alguns países já estão testando novas formas de manter os shows, mas os desafios são grandes. “Lá o povo respeita, né? No Brasil as coisas serão mais difíceis (…) Quando a banda tocar o primeiro acorde o povo já vai se amontoar e [vai] virar tudo uma bagunça. Enquanto não houver uma vacina contra esse vírus acho bem difícil [retomar os shows]”, disse Night. Leo concorda e lembra que adaptações serão necessárias: “Acho que lugares que cabiam 2000 pessoas vão ter que reduzir para o máximo 500.”
Rogério Pereira da Souza, tour e stage manager, produtor e técnico de palco, concorda com Leo e acredita que os shows devem acontecer em “lugares maiores com diminuição de 3 ou 4 pessoas por metro quadrado”.
Ainda há a questão da confiança do público: “A segurança que uma pessoa precisa sentir para ir a um local onde tenha uma aglomeração, precisará ser reconquistada. Eu mesmo pensaria bem antes de ir para um show num local fechado com 2000 pessoa (…) Tenho certeza que isso vai voltar a acontecer, mas acho que as pessoas terão que estar se sentindo seguras”, disse Pedro Nicolas.
Enquanto esperam a situação melhorar, esses trabalhadores ficam em casa tentando descobrir o que vão fazer. “Vejo esse momento como se tivessem tirado você de sua vida normal e te colocado em algum episódio do Arquivo X. Nada está fazendo sentido”, disse Leo.
Outros se viram em uma situação em que precisam, além de administrar a casa e a família, procurar um novo serviço. Os entrevistados contam de amigos que precisaram encontrar trabalhos diferentes para se manter, como pintores, vendedores de máscara e outras atividades não relacionadas ao entretenimento ao vivo.
Alguns conseguiram se manter no mercado com lives, mas Rogério lembra que essa é uma febre passageira: “Fazer live não deve acabar com a fome que as pessoas estão de ver música ao vivo… Sem contar que em lives não há equipes técnicas e o povo da infraestrutura… Ou seja, pra graxa as lives são um tiro no pé.”
Nesse momento, muitos colegas têm se unido para tornar esse momento um pouco mais fácil. Pedro lembrou de algumas bandas que estão usando o seu merchandising como uma forma de ajudar os companheiros de turnê. O Faith No More, por exemplo, criou uma linha especial de merchandising e toda a renda vinda desses produtos será destinada aos funcionários dos bastidores de sua turnê.
Rogério reforçou que os fãs também podem ajudar quem fica nos bastidores dos shows e não apenas quem está no palco. Algumas organizações foram criadas justamente para auxiliar esses trabalhadores e abaixo selecionamos algumas dessas iniciativas.
Backstage Invisível: Grupo de apoio destinado a ajudar os profissionais do backstage durante a pandemia do coronavírus.
Salve Produção: Campanha de arrecadação em prol dos produtores de eventos freelancers do RJ, que estão sem trabalho devido ao COVID 19.
SOS Mundo dos Eventos: Movimento de união dos profissionais, artistas e empresas envolvidas no mercado de eventos e entretenimento de São Paulo.