Texto por: Rafael Andrade
No dia 30 de março, o TOOL fará sua aguardada estreia no Brasil no festival Lollapalooza (ingressos na Ticketmaster), trazendo sua sonoridade hipnótica e performances intensas para um show imperdível. Mas, se tem algo que define a banda além da música, é o mistério que a cerca—com composições complexas, letras enigmáticas e uma legião de fãs obcecados por teorias e significados ocultos.
Se você sempre quis entender a genialidade do TOOL, mas não sabia por onde começar, preparamos um guia de duas semanas para conhecer a banda. É claro que você pode fazer essa jornada em um único dia, mas sugerimos um espaçamento para absorver melhor cada fase e evitar a sobrecarga mental—afinal, estamos falando de uma das bandas mais desafiadoras do rock progressivo moderno.
Nível 1 – A Superfície: O Primeiro Contato
Aqui estão as músicas mais acessíveis para quem nunca ouviu TOOL. São faixas que tocaram em rádios, tiveram videoclipes icônicos e introduzem bem a sonoridade da banda sem mergulhar de imediato na complexidade extrema:
The Pot (10,000 Days, 2006) → Música mais acessível do álbum, com um groove marcante e vocais intensos de Maynard. Este álbum foi divisivo para os fãs ao apresentar estruturas menos complexas que Lateralus (2001), mas ainda assim, é um álbum respeitável com faixas que fazem parte do setlist da banda até hoje.
Pneuma (Fear Inoculum, 2019) → Começando pelo álbum mais recente da banda, Pneuma é uma das músicas mais marcantes da carreira do TOOL, que exemplifica perfeitamente seu momento atual. Essa música “viralizou” em dois momentos distintos recentemente. O primeiro, quando o baterista Danny Carey publicou um vídeo tocando esta música ao vivo na íntegra. A outra ocasião foi quando Mike Portnoy (Dream Theater), convidado pelo canal Drumeo, tentou aprender a tocá-la.
Sober (Undertow, 1993) → Um dos primeiros hits da banda, com uma atmosfera sombria e um riff inconfundível. Nesta época, o TOOL ainda tinha uma pegada bem mais grunge, com apenas alguns “flertes” com o metal progressivo que veio a marcar seu som posteriormente.
Stinkfist (Ænima, 1996) → Um dos grandes sucessos da banda, com um clipe perturbador e uma pegada forte. Este álbum marca a entrada do baixista Justin Chancellor à banda e foi o primeiro passo para abraçar um som mais progressivo, ainda sem abrir mão do grunge que os marcou no primeiro álbum.
Schism (Lateralus, 2001) → Provavelmente a música mais conhecida do TOOL, com um baixo hipnótico e uma estrutura que desafia padrões tradicionais. A assinatura de tempo muda impressionantes 47 vezes ao longo da faixa, tornando-a um clássico do rock progressivo. Este álbum é considerado pela grande maioria dos fãs como o ápice criativo da banda, figurando em praticamente todas as listas de Top 10 álbuns de rock/metal.
Nível 2 – Explorando a Complexidade
Agora começamos a adentrar as camadas mais profundas do TOOL, explorando músicas que trazem estruturas musicais e conceitos mais elaborados.
Forty-Six & 2 (Ænima, 1996) → A música faz referência a um conceito pseudo-científico de evolução genética, bem como à teoria da “Sombra” de Carl Jung. O título refere-se a “46 + 2”, uma ideia de que os seres humanos (com 46 cromossomos) poderiam evoluir adicionando dois cromossomos, alcançando um novo estado de ser. Embora essa noção venha de escritos do místico Drunvalo Melchizedek, na letra Maynard a relaciona ao processo de enfrentar a própria “sombra” – termo junguiano para os aspectos reprimidos da psique. “Forty-Six & 2” mescla essa hipótese evolutiva com a ideia jungiana de transformação interior através do confronto dos medos e traumas pessoais, simbolizando um passo adiante na jornada de autoconhecimento.
Lateralus (Lateralus, 2001) → Esta faixa é famosa por utilizar a sequência de Fibonacci (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13) tanto na letra quanto no ritmo. A métrica principal da música segue um padrão 9/8 – 8/8 – 7/8, remetendo à famosa sequência matemática. Essa estrutura é intencional e reforçada na letra com frases como “Swing on the spiral” e “Spiral out, keep going”, aludindo à ideia de crescimento e expansão contínua.
Parabol/Parabola (Lateralus, 2001) → No álbum Lateralus, “Parabol” e “Parabola” formam essencialmente duas partes de uma mesma peça, devendo ser ouvidas em sequência. “Parabol” funciona como uma introdução atmosférica e contemplativa, preparando o terreno para a explosão sonora de “Parabola”. As duas faixas se conectam perfeitamente: a nota final de “Parabol” emenda diretamente no início de “Parabola”, tanto que no videoclipe oficial “Parabola” inclui Parabol nos minutos iniciais. Essa transição suave é essencial para entender a mensagem – um contraste entre a quietude espiritual e a celebração enérgica da existência física. As músicas exploram juntas a ideia de que a vida é temporária e sagrada: “Nós somos eternos, toda essa dor é uma ilusão”, canta Maynard em “Parabola”, reforçando que a experiência humana (com seus sofrimentos) deve ser abraçada como um “presente sagrado” (holy gift) quando as duas partes são apreciadas em conjunto.
Wings for Marie / 10,000 Days (10,000 Days, 2006) → Novamente duas faixas a serem ouvidas em sequência, elas formam uma homenagem profundamente pessoal de Maynard à sua mãe, Judith Marie. Judith ficou paralisada por um derrame e passou cerca de 27 anos (aproximadamente “10.000 dias”) em uma cadeira de rodas até falecer em 2003. Nessas músicas, Maynard expressa admiração pela fé inabalável de sua mãe e a dor de sua perda. As letras insinuam que, após uma longa provação na Terra (“10 mil dias no fogo”), ela finalmente “ganhou suas asas” para transcender ao céu. “Wings for Marie” traz um clima reverente e emotivo, com versos descrevendo Judith como um “espírito apaixonado, irrestrito e aberto”, enquanto “10,000 Days” culmina em um clímax catártico, quase como uma prece musical pedindo que ela seja recebida no paraíso. Em entrevistas, Maynard revelou o quão pessoais e dolorosas essas composições foram – tão intensas que a banda raramente as toca ao vivo, já que ele “nunca mais quer se expor tanto” dessa forma. Em essência, “Wings for Marie” (Partes 1 e 2) representa o tributo de um filho à fé e perseverança de sua mãe, encerrando o álbum 10,000 Days com uma nota de emoção genuína e respeito espiritual.
Nível 3 – Camadas Profundas e Controvérsias
Aqui entramos em faixas mais longas, letras enigmáticas e complexidade instrumental extrema.
Lost Keys (Blame Hofman)/ Rosetta Stoned (10,000 Days, 2006) → Uma narrativa caótica sobre uma suposta abdução alienígena e uma viagem de DMT, com referência direta a Albert Hofmann (cientista que sintetizou o LSD) mencionada no título. A letra descreve como esses seres teriam lhe dado uma mensagem importantíssima para a humanidade… que infelizmente ele esqueceu por estar completamente “chapado” (daí o trocadilho com Rosetta Stone, a pedra da Roseta, e stoned, estar chapado). Musicalmente, a faixa é complexa e frenética, cheia de mudanças rítmicas e riffs agressivos, refletindo a confusão mental do narrador. O baterista Danny Carey utiliza uma técnica avançada de subdivisões rítmicas na caixa, criando uma sensação de desaceleração sem realmente alterar o tempo da música. No canal “Study The Greats”, foi feita uma análise dessa parte, destacando como Carey alterna entre 32 avos, tercinas de semicolcheia, semicolcheias, tercinas de colcheia e outras subdivisões, tornando a execução desse trecho um verdadeiro desafio técnico para qualquer baterista.
Prison Sex (Undertow, 1993) → Esta faixa aborda um tema pesado e controverso: o ciclo de abuso sexual. Maynard escreveu a letra como uma representação visceral de abusos sofridos na infância e como a vítima pode se tornar um agressor na vida adulta, repetindo o ciclo traumático. O vídeo musical, dirigido por Adam Jones em inquietante animação stop-motion, reforçou a atmosfera perturbadora com metáforas visuais sombrias – criaturas macabras simbolizando o abuso e a perda de inocência. A polêmica foi imediata: apesar de não mostrar violência gráfica ou nudez, o clipe de “Prison Sex” foi considerado tão desconfortável que a MTV baniu sua exibição após poucos dias. A música em si, com riffs densos e climas angustiantes, chocou muitos pela coragem de tratar de um assunto tão delicado no mainstream. Até hoje, “Prison Sex” é lembrada como uma das faixas mais inquietantes do TOOL, lançando luz sobre um tabu social e expondo, sem rodeios, a dor e a raiva envolvidas nesse ciclo vicioso de abuso.
Ænema (Ænima, 1996) → Vencedora do Grammy de Melhor Performance de Metal em 1998, tornou-se hino entre fãs que compartilhavam desse anseio catártico de varrer as hipocrisias culturais expostos na letra. Em suma, a faixa usa sarcasmo e uma imagem apocalíptica para criticar a corrupção moral e superficialidade da sociedade, especialmente personificada na Los Angeles dos anos 90.
7empest (Fear Inoculum, 2019) → Mais uma faixa vencedora do Grammy de Melhor Performance de Metal em 2020. Uma das músicas mais agressivas e progressivas da banda, ganhadora do Grammy, “7empest” destaca-se como uma das composições mais agressivas e complexas do TOOL em sua fase recente. Com mais de 15 minutos de duração, essa peça épica transita por inúmeros segmentos e variações, exibindo a veia progressiva da banda em toda sua extensão. Comparada ao restante atmosférico e contido de Fear Inoculum, “7empest” fecha o álbum trazendo de volta a ferocidade do TOOL: é progressiva na estrutura e agressiva na execução, uma tempestade sonora que confirma a capacidade técnica e a paixão crua da banda mesmo após treze anos sem lançar novos discos.
Nível 4 – Simbolismos Ocultos, Filosofia e Padrões Escondidos
Right in Two (10,000 Days, 2006) → Uma das músicas mais reflexivas da banda, trazendo uma crítica à natureza destrutiva da humanidade. A letra narra um ponto de vista quase divino, observando os humanos lutarem por território e poder. A referência a anjos dividindo os seres humanos “right in two” (ao meio) sugere a perda da harmonia original devido à ganância. O instrumental alterna entre momentos suaves e explosões agressivas, simbolizando esse conflito.
Vicarious (10,000 Days, 2006) → Uma crítica ao fascínio mórbido da humanidade por tragédias e violência. A música aborda como consumimos sofrimento através da mídia, acompanhando guerras, assassinatos e desastres naturais de forma passiva, como se fosse entretenimento. Versos como “I need to watch things die from a distance” e “We all feed on tragedy, it’s like blood to a vampire” reforçam essa ideia de que nos alimentamos do caos sem envolvimento real. Musicalmente, Vicarious é uma das faixas mais acessíveis do álbum, com riffs marcantes e uma estrutura envolvente, funcionando quase como um “gancho” para o ouvinte antes das faixas mais densas e experimentais de 10,000 Days.
The Holy Gift: Uma ordem alternativa de Lateralus. Fãs descobriram que ao reorganizar as faixas de Lateralus seguindo uma ordem baseada na sequência de Fibonacci (1-6-7-5-2-11-3-10-4-9-8-13-12), as músicas fluem de maneira incrivelmente coesa, criando um “álbum oculto” dentro do álbum. Chamado de The Holy Gift (referência a um verso de Parabola), essa sequência supostamente revela uma jornada espiritual completa, indo da ilusão à iluminação. Embora a banda nunca tenha confirmado essa teoria, a coesão entre as transições reforça a ideia de que Lateralus foi meticulosamente planejado.
10,000 Days e a teoria da faixa oculta → Alguns fãs descobriram que ao sobrepor Wings for Marie (Pt. 1), 10,000 Days (Wings Pt. 2) e Viginti Tres, as faixas se alinham, criando uma nova experiência sonora. Muitos acreditam que essa estrutura oculta reforça o caráter espiritual do álbum e sua homenagem à mãe de Maynard.
Nível 5 – Conexões com Outras Bandas e Projetos Paralelos
A Perfect Circle → Projeto paralelo do vocalista Maynard James Keenan, a banda foi fundada em 1999 com o guitarrista Billy Howerdel, a banda apresenta uma abordagem mais melódica e emocional, misturando rock alternativo e art rock. Álbuns como Mer de Noms (2000) e Thirteenth Step (2003) tiveram grande sucesso, destacando faixas como Judith e Weak and Powerless. Foram atração do Lollapalooza Brasil em 2013.
Puscifer → Criado como um projeto solo experimental de Maynard, o Puscifer mistura rock, eletrônico e humor, explorando diferentes estilos sem a rigidez do TOOL ou APC. O projeto resultou em álbuns como “V” Is for Vagina (2007) e Conditions of My Parole (2011), além de shows teatrais e elementos multimídia. Também foram atração do Lollapalooza em 2013.
Rage Against the Machine → Maynard participou da música Know Your Enemy (1992), fazendo vocais de apoio. Além disso, Adam Jones e Tom Morello (guitarrista do RATM) foram colegas de escola e tocaram juntos na banda de garagem Electric Sheep na adolescência. Além disso, há diversos relatos sobre o Maynard ter apresentado a afinação “Drop D” para o Tom Morello, influenciando riffs icônicos como os de “Killing in the Name”.
B.E.A.T. → Supergrupo formado por Adrian Belew (King Crimson), Tony Levin (King Crimson, Peter Gabriel), Steve Vai, e Danny Carey (TOOL). O projeto tem o objetivo de reinterpretar os álbuns clássicos do King Crimson dos anos 80 (Discipline, Beat, Three of a Perfect Pair). A banda recebeu o apoio de Robert Fripp, líder do King Crimson. A banda possui um show marcado no Brasil: No dia 09 de maio de 2025, no Espaço Unimed, em São Paulo, com produção da Mercury Concerts.
Nível 6 – A Experiência Definitiva: O TOOL AO VIVO
Depois de mergulhar no iceberg do TOOL, explorando suas músicas, simbolismos, mistérios e conexões, chegou a hora da experiência máxima: ver a banda ao vivo.
No dia 30 de março de 2025, o TOOL finalmente fará sua estreia no Brasil no Lollapalooza, e este guia foi criado para que você aproveite ao máximo esse momento. Agora que você conhece desde os sucessos mais acessíveis até as composições mais enigmáticas, está pronto para testemunhar o peso, a complexidade e a imersão sonora da banda ao vivo.
O que esperar do show?
• Setlist sólido → O TOOL tem seguido um padrão fixo de músicas nesta turnê, e a expectativa é que no Lollapalooza o repertório seja o mesmo ou tenha apenas pequenas variações. Aqui está o provável setlist do show no Brasil:
- Fear Inoculum
- Jambi
- Rosetta Stoned
- Pneuma
- Stinkfist
- Descending
- Schism
- The Grudge
- Chocolate Chip Trip (Solo de bateria de Danny Carey)
- Invincible
- Vicarious
- Visual hipnótico → O TOOL é famoso por suas projeções psicodélicas, iluminação intensa e um espetáculo audiovisual imersivo que transforma o palco em uma experiência transcendental.
- Músicos no auge da técnica → Danny Carey, Justin Chancellor, Adam Jones e Maynard James Keenan são perfeccionistas em suas execuções ao vivo, trazendo toda a grandiosidade dos álbuns para o palco.
- Maynard na penumbra → O vocalista, fiel ao seu estilo misterioso, geralmente se posiciona no fundo do palco ou sobre plataformas, evitando ser o centro das atenções e deixando a música e o espetáculo visual dominarem a cena.
Agora que você chegou até aqui, já entende mais sobre o TOOL do que a maioria das pessoas ao seu redor. Mas a verdade é que, independentemente de quantos detalhes técnicos, filosóficos ou ocultos você saiba sobre a banda, nada se compara à experiência de sentir essa música ao vivo.
O TOOL finalmente está vindo ao Brasil. Você está pronto?