Em novembro, a banda canadense multi-platina e quatro vezes vencedora do JUNO Awards, The Sheepdogs, lançou o EP Hell Together. O projeto é uma peça complementar ao EP anterior, Paradise Alone, e o segundo lançamento da banda a partir de seu próprio selo.
Em entrevista ao Wikimetal, Ewan Currie (vocais) e Ryan Gullen (baixista) falam sobre os 20 anos de banda, a nova fase na carreira e os mais recentes EPs.
Confira na íntegra:
Wikimetal: Parabéns pelo novo EP, Hell Together. De que maneira ele se conecta com o EP anterior, Paradise Alone?
Ewan Currie: Tematicamente é como se fosse o outro lado [da moeda]. É como se o Paradise Alone fosse sobre estar em um lugar lindo e incrível, porém sozinho, e Hell Together é sobre estar em uma situação terrível ou estar no inferno, mas ter boa companhia. Eles são como dois lados diferentes tematicamente, mas acho que musicalmente os dois fluem perfeitamente juntos. É rock ‘n’ roll e eu acho que somos nós cavando mais em direção às raízes.
WM: Vocês experimentaram mais o estilo da música Americana neste disco. Eu gostaria de saber como foi esse processo, de escrever os dois discos quase um atrás do outro?
EC: Eu acho que à medida que envelhecemos, talvez eu esteja mais interessado na bela simplicidade da música americana. Acho que quando se é jovem você quer que cada riff seja o maior e melhor à la Led Zeppelin, e quer [que sua música] seja uma pedrada agressiva e insana na cabeça das pessoas. E acho que à medida que envelheço, sou mais levado por uma ótima melodia, boas harmonias, um refrão muito bom. Mas também há uma simplicidade no rock ‘n’ roll de raíz que é como aquele filme, Ratatouille, onde ele pensa em quão bom é o Ratatouille de sua mãe em comparação à culinária sofisticada. Acho que isso é algo que sei que desejo mais à medida que progredimos nesta carreira.
Ryan Gullen: Outra coisa que vale a pena mencionar é que nós realmente tentamos não fazer o mesmo disco repetidamente. Esta não é a primeira vez que exploramos isso, mas acho que todos nós realmente apreciamos um tipo simples de rock direto, mas também algo que talvez seja um pouco mais colorido ou com sabores diferentes, como em outras coisas que fizemos antes. Uma das coisas que tentamos fazer quando gravamos um disco não é gravar as mesmas músicas repetidamente. E ir explorando, se aventurando naquele tipo de reino em que o rock ‘n’ roll se encontra com as raízes e a música blues e, de certa forma, cria uma mistura dessas coisas com alguns elementos country e coisas assim, é algo que realmente gostamos. Nós gostamos de outros artistas fazendo isso. Mas para nós, não ouvimos apenas um tipo específico de música ou um artista específico.Nós tentamos extrair nossa inspiração de lugares diferentes e meio que fundir tudo isso. Portanto, o processo é bastante divertido porque você realmente está se desafiando a adicionar elementos que talvez se afastem um pouco do rock ‘n’ roll puro.
WM: Tem algum artista que serve de inspiração para vocês e que talvez as pessoas ficariam surpresas em saber?
EC: Essa é uma boa pergunta. Sabe o que é engraçado? Quando nós estávamos trabalhando nessas músicas, nós estávamos meio que numa onda de ouvir country dos anos 80 e 90. Não sei como é a relação das pessoas com a música country no Brasil, mas de onde viemos, em Saskatchewan, esse é o tipo de música que você ouviria em um casamento ou em um baile ou em festas quando você está crescendo. Então nós estávamos ouvindo “Cadillac Ranch”, da Nitty Gritty Dirt Band, ou, por exemplo, Alan Jackson. E o que mais me impressionou nessas bandas é que esse tipo de música não soa exatamente como elas, mas o que eu realmente respeito nessa música é que ela é realmente dançante. É só música de guitarra com uns caras cantando e tudo mais, mas se você colocar isso em uma festa as pessoas vão dançar. E eu acho que isso é algo bastante ausente no rock ‘n’ roll, especialmente hoje em dia. Você não vê as pessoas dançando tanto.
Então eu fiquei muito feliz quando começamos a tocar essas músicas ao vivo e começamos a ver pessoas dançando na plateia. Por exemplo, “Darlin’ Baby”, que é uma de nossas novas músicas. Nós vemos casais dançando juntos, de uma forma romântica, mas as pessoas também curtem algumas faixas novas. Nosso guitarrista, Ricky, gosta de fazer referência a uma citação de Keith Richards em que fala que um monte de música rock se esqueceu de “rolar”. Como se a parte roll do rock ‘n’ roll estivesse faltando. É como se todo mundo só quisesse colocar os punhos no ar e tudo o mais. Mas eu acho que o roll se perdeu e essa deveria ser a parte em que as pessoas que estão apaixonadas tentam se dar bem e se divertir.
WM: Este é o seu segundo lançamento sob seu próprio selo. O que mudou para vocês agora que vocês não estão mais atrelados a uma grande gravadora?
RG: Eu acho que a maior coisa para nós é a liberdade de fazer as coisas de maneira um pouco diferente. Quando você está em uma gravadora, não é que eles não sejam apaixonados pelo que fazem ou não queiram fazer coisas boas pela sua música, mas, nós sempre tivemos em mente que ninguém iria se importar tanto quanto nós. Nós também queremos tentar ser diferentes e não apenas seguir o status quo. E eu acho que parte disso é que queremos nos afastar um pouco do modelo tradicional de lançar um álbum a cada dois anos. Nós queríamos tentar aumentar a frequência com que lançamos música.
Nós queremos tentar experimentar diferentes tipos de projetos e coisas diferentes. E não é que a gravadora não estaria necessariamente aberta a isso, mas nós meio que decidimos que preferíamos tentar fazer isso nós mesmos, do nosso próprio jeito, e nos cercar de pessoas que nos ajudem a criar nosso próprio tipo de ambiente ao invés de só sermos colocados em um lugar. E isso nos permite, por exemplo, explorar alguns outros gêneros sem que alguém da gravadora nos diga que tal música não tem potencial para ser um single. Nós confiamos muito no que fazemos e realmente sabemos quem somos.
Acho também que quando pensamos a longo prazo sobre nossas vidas, nós preferimos pegar o dinheiro que ganhamos fazendo música e reinvesti-lo em nós mesmos para fazer mais música, ao invés de gastar uma grande parte desse dinheiro na compra de um carro novo ou de uma casa para alguém que possui ou administra uma gravadora. Gostamos de pagar às pessoas ao nosso redor que nos apoiam. Não somos apenas nós que fazemos isso. Temos ótimas pessoas que empregamos que nos ajudam, mas preferimos nos cercar de pessoas com ideias semelhantes e nos permitir avançar em nossa carreira reinvestindo o dinheiro que ganhamos na música ao invés de na infraestrutura de uma gravadora. Tem sido muito interessante, mas obviamente tem sido um grande desafio. É muito diferente tentar fazer tudo sozinho e descobrir tudo aos poucos. Mas tem sido divertido. Tem sido agradável continuar lançando música o máximo que podemos também.
WM: Como vocês diriam que a indústria olha para as bandas de southern rock e de blues rock hoje em dia?
EC: Acho que as gravadoras não estão contribuindo muito quando se trata de rock. Acho que eles estão filtrando muita coisa nesse momento. Nós sempre fomos de fazer as coisas nós mesmos, mesmo em uma grande gravadora. E acho que é por isso que estamos sobrevivendo sem uma gravadora agora, porque somos capazes de produzir discos por conta própria, gerenciar e lançar discos por conta própria. No que diz respeito ao blues rock, acho que é como em todos os outros gêneros. Se você se encaixar em um determinado molde, então talvez eles tentem fazer algo com você. Mas, na verdade, eles estão apenas tentando jogar gasolina no fogo e ganhar dinheiro fácil. Eu não acho que eles estejam realmente alimentando esse tipo de música.
RG: Eu acho que o rock ‘n’ roll também não está muito na vanguarda da popularidade, especialmente nos Estados Unidos. Parece que o tipo de música mais popular hoje em dia são bandas que estão voltando e fazendo o mesmo que outras bandas que voltaram antes. Hoje em dia nós vemos muitas bandas voltando e fazendo grandes turnês. Acho que as gravadoras acabam indo atrás do que é popular ao invés de investir em algo e torná-lo popular. E eu acho que, porque a música rock não está na linha de frente – não é como o R&B, hip-hop ou Taylor Swift – ela acaba não ganhando tanta atenção. Mas, ao mesmo tempo, [o rock] tem um público mais dedicado. E cuidar dessa fã-base que é mais dedicada traz uma trajetória de carreira mais duradoura do que ter um momento de estrelato ou ser impulsionado por uma indústria, como na música pop.
Muita coisa dentro da indústria agora é sobre análise e números. E, no papel, os números não são tão bons para o rock, especialmente algo que não é muito focado em rádio. E então eles simplesmente não prestam tanta atenção porque o foco são números estatísticos, mas nós estamos na estrada vendo as coisas. Nós vamos e tocamos em lugares do mundo todo e vemos as pessoas e o quanto isso significa para elas. E eu acho que os fãs de rock ‘n’ roll são muito mais apaixonados e muito mais interessados nisso no longo prazo, ao invés de algo do tipo: Eu gosto dessa música da Dua Lipa que ouvi no rádio, então vou no show. Estamos investindo muito nesse lado quando estamos fazendo o que estamos fazendo.
EC: Estatísticas são boas para os negócios, mas não para o rock ‘n’ roll. Rock ‘n’ roll é sobre sentimento.
WM: Vocês são uma banda há 20 anos e nesse novo EP vocês falam de temas como estar sobrecarregado com o trabalho, procurar um propósito, sentir falta de casa, trabalhar muito duro para conseguir o que você quer. E eu gostaria de saber se esses são temas pessoais para vocês, como uma banda.
EC: Sim, com certeza. Acho que devemos muito do nosso sucesso ao nosso trabalho duro, à persistência e à recusa em desistir. É uma indústria muito difícil e você precisa de sorte, muita sorte, mas também precisa gostar de trabalhar duro para garantir que terá momentos de sorte e que, quando as chances surgirem, elas se tornem mais do que apenas uma oportunidade de se tornar um sucesso. Mas acreditamos em trabalhar duro. Isso é algo que acho que todos aprendemos com nossos pais, vendo isso como um valor.
Ao mesmo tempo, acho que quando você toca seu próprio negócio, como em uma banda, você sempre sente um medo de: E se as pessoas pararem de se importar e você parar de vender ingressos e as pessoas pararem de ouvir sua música? E então há essa sensação de que tenho que trabalhar muito duro. Eu tenho que trabalhar o tempo todo. E é difícil equilibrar isso vivendo uma vida onde você realmente consegue fazer coisas. Tipo, pra quê estamos trabalhando? Nós obviamente amamos tocar música, mas eu quero poder pular em um lago e tirar férias. E às vezes isso não é possível. Então trata-se de retificar essas duas coisas que são a necessidade de trabalhar duro, mas também o desejo de ter uma vida mais completa.
RG: Acho que qualquer um que diga que tem tudo planejado provavelmente não tem. Uma boa parte desses 20 anos foi sobre tentar descobrir as coisas e ir em frente, e então olhar para trás, ver como foi e mudar algumas coisas. E acho que durante a pandemia, especialmente, muitas pessoas mudaram de perspectiva sobre como elas fazem as coisas, porque grande parte da indústria da música, em particular, está sempre a todo vapor. Antes mesmo de terminar uma coisa você já está falando sobre como será a próxima. E então, fazer uma pausa durante a pandemia, quando não podíamos fazer shows, não podíamos gravar e esse tipo de coisa, isso realmente nos permitiu reavaliar sobre como fazemos as coisas e ganhar um pouco de perspectiva. Mas, sabe, é preciso muita sorte, mas acho que também junto com muita sorte há muita coragem que é necessária, tipo não apenas trabalho duro, mas trabalho duro e inteligente. E nós sempre tentamos ser mais inteligentes sobre como fazemos as coisas.
Ewan e eu temos muitas conversas. Dois dias atrás tivemos uma longa ligação apenas para conversar sobre este ano e o que esperamos para o próximo ano. Para nós, é muito importante não subestimar o que temos e saber que tudo isso provavelmente pode desaparecer em algum momento e, em vez disso, estar sempre descobrindo como podemos seguir em frente e continuar fazendo isso. E então, sim, muitos desses temas nesse disco acabam refletindo o fato de que, você sabe, isso é um trabalho. Isso não é apenas fazer shows e beber cerveja ou o que quer que seja. É um trabalho de verdade. Mas você sabe, nós realmente amamos isso e somos muito apaixonados por isso. Então colocamos toda essa energia nisso porque é importante para nós também.
EC: Mas eu também amo beber cervejas.
WM: Vocês já experimentaram caipirinhas? É um drink tradicional brasileiro feito com cachaça.
RG: Jen, que trabalha para nós, tem um parceiro que é brasileiro e ela passa um mês por ano no Brasil. Eles me trouxeram uma garrafa [de cachaça] ano passado. Está lá no meu escritório, mas eu não posso abrí-la porque quero que meu primeiro gole seja no drink que a Jen vai preparar pra mim. Eles ficarão muito felizes por eu ter mencionado isso, gostei que você tenha perguntado. Ainda não tomei porque toda vez que eles estão na cidade nós estamos fazendo um monte de coisas e não temos tempo só para beber.
WM: Vocês têm planos de vir para o Brasil?
EC: Sim, estamos explorando a possibilidade. Adoraríamos ir, é um dos nossos lugares favoritos. Nenhum de nós já esteve aí, mas acabamos desenvolvendo certo carinho. Meu irmão e eu somos grandes fãs da Tropicália, música dos anos 60 e 70, como os Mutantes.
WM: Existe uma banda brasileira que também toca blues rock e rock setentista. Eles se chamam Hurricanes. Seria muito interessante ouvir algum tipo de parceria entre vocês.
RG: Nós sempre brincamos que nosso verdadeiro objetivo é encontrar fãs de rock ‘n’ roll e ir tocar para eles. E já faz um tempo que percebemos que alguns desses fãs apaixonados e dedicados ao rock estão na América do Sul e no Brasil.
EC: O nosso objetivo é continuar a viajar pelo mundo e encontrar mais lugares onde as pessoas amam o rock ‘n’ roll. Eu com certeza vou pesquisar sobre os Hurricanes, isso é ótimo. Me parece uma ideia muito legal encontrar alguns amigos com quem possamos fazer alguns shows. Nós com certeza iremos e queremos ir ao Brasil.