Essa resenha, que terá duas partes, vai ser um pouco diferente e vou avisando no início pra ninguém embarcar na leitura sem saber no que está se metendo. Trataremos aqui de três tópicos relacionados entre si, porém distintos: na primeira parte, o novo Festival Sick New World em Las Vegas, que aconteceu no fim de abril e seus pontos positivos e negativos; na segunda parte, a estreia do brasileiro Eloy Casagrande em festivais como baterista do Slipknot.
A essa altura você já conhece os últimos capítulos da história recente sobre a entrada do brasileiro Eloy Casagrande no Slipknot (viu como já mudei a ordem dos itens aqui?). Bom, caso não conheça, confira a segunda parte dessa resenha para entender um pouco mais.
Como foi cobrir o Sick New World
Bem, caríssimo leitor, nossa equipe de duas pessoas foi pessoalmente à Las Vegas, em missão especial colaborando com o Wikimetal, em primeiro lugar, pra conhecer esse novíssimo festival, agora na sua segunda edição, mas também, à medida que já tínhamos o Slipknot como um dos headliners e as especulações sobre a identidade do baterista foram crescendo, também fomos tentar conferir de perto essa estreia em um evento de grande porte.
Então, se essa perspectiva tem valor ou não pra você, depende mais de você mesmo, mas o que temos a oferecer é um relato direto das trincheiras asfálticas e secas do Las Vegas Festivals Grounds, onde se deu o Sick New World.
Ninguém nos contou. Não copiamos nota de nenhum outro veículo e fizemos nossos próprios vídeos tremidos do meio do olho do furacão (mais detalhes a respeito disso adiante) quando o Eloy “sentou” as baquetas naquela bateria pela primeira vez.
Porque isso importa? Talvez não importe mesmo, mas fomos lá com esse objetivo e nossa opinião a respeito do festival e de tudo o mais vem do que experimentamos na nossa própria pele de viajantes e não de uma “peneirada” qualquer no que o pessoal mais comentou na internet.
Não quero aqui posar de reacionário, remando contra a maré das vantagens da modernidade. Hoje em dia, a cobertura de eventos de interesse público, sejam eles políticos, culturais, ou de qualquer natureza, na verdade, se apoia muito no cidadão comum, munido de um smartphone e uma rede social. O lado positivo disso é a rapidez e o alcance das informações. Mesmo que nenhum veículo de comunicação esteja presente cobrindo um evento específico, algum dos pagantes pulando no meio da multidão com seu celular e gravando tudo, mesmo que com qualidade duvidosa, vai fazer o serviço público de espalhar para o mundo em primeira mão aquele vídeo exclusivo do seu ídolo arriando as calças, ou arrebentando em um solo incrível.
Só pra deixar claro: rapidez e alcance do olhar do público: Bom! Complementar o olhar do público com a experiência de quem foi lá profissionalmente para cobrir o evento: melhor ainda!
E o que é ruim então? Porque afinal estou fazendo esse longo parêntese? Porque estou pessoalmente meio de saco cheio de ver “coberturas” de festivais e shows em geral que se limitam a citar os setlists, reproduzir vídeos do público e repetir informações publicadas sem muito critério, confirmação de veracidade ou qualquer perspectiva crítica. Um exemplo bem claro que acabou de rolar justamente no Sick New World, só pra ilustrar o que citei:
Vários sites publicaram a nota de que o Oli Sykes, vocalista da banda Bring Me The Horizon teria se juntado às japonesas da Babymetal durante o show delas para cantarem juntos “Kingslayer”, uma faixa de Post Human: Survival Horror, da banda inglesa, gravada em 2020 com participação das japonesas. O problema é que não foi o que aconteceu.
Os palcos principais no Sick New World, do mesmo tamanho e montados lado a lado, como acontece em vários festivais, se chamavam Red Stage e Gold Stage. Nós tínhamos acabado de conferir o show inteiro do Danny Elfman e resolvemos permanecer no mesmo lugar, no Red Stage, para esperar o show do Slipknot, que seria o próximo naquele palco. Ficando ali já garantíamos um bom lugar para depois e de onde estávamos conseguíamos ver, meio de lado, mas relativamente bem também, o show do Bring Me The Horizon, acontecendo no palco vizinho, o Gold Stage.
Ninguém nos contou. Eu não li em nenhuma nota por por aí. Eu vi que as japonesas participaram do show dos ingleses em um música, e não o contrário, como foi noticiado em vários sites, inclusive de veículos de prestígio como o da revista inglesa NME. Bastaria uma simples conferência de informação pra ver que o show da Babymetal foi no Red Stage, no início da tarde, com o sol de Las Vegas rachando na cabeça do povo. No vídeo de alguém do público usado para ilustrar essa nota equivocada, (inclusive no site da NME) dá pra ver claramente que trata-se de um show já de noite, o show da Bring Me The Horizon no Gold Stage, portanto.
E aí, diga-me você, atento leitor: estou fazendo tempestade em copo d’água? Faz alguma real diferença no mundo quem participou no show de quem? Talvez esse equívoco especificamente não seja grave a ponto de causar nenhum dano real no mundo mas é muito triste pensar que é necessário, da parte do público que consome esse tipo de conteúdo, um esforço extra pra diferenciar aquele site que se deu ao trabalho de enviar representantes para estar fisicamente cobrindo um evento, daquele outro que simplesmente copiou informações e vídeos direto da rede social de alguém que calhava de estar presente no local do evento.
Dá pra estar fisicamente cobrindo todos os festivais que gostaríamos de cobrir? Existe verba e mesmo tempo hábil para tanto, considerando que alguns acontecem simultaneamente a outros tão interessantes quanto? Claro que não. Mas queria apenas encerrar (assim espero) meu desabafo com um apelo por uma maior valorização do trabalho de quem vai fisicamente cobrir esses eventos e tenta produzir algo original a partir do que viu e sentiu na pele. Atentem para saber diferenciar quando há um esforço desse tipo e quando o que você está lendo foi apenas copiado de outro lugar.
Ok, parêntese encerrado, vamos então, ao que alguém que esteve lá, profissionalmente e de corpo presente, pode contar a respeito do Sick New World e do primeiro grande show do Slipknot com o brasileiro Eloy Casagrande na bateria.
Pontos positivos e negativos do Sick New World
Primeiro, de forma objetiva, 3 pontos positivos e 3 pontos negativos do Sick New World:
PONTOS POSITIVOS:
1 – O Festival acontece em Las Vegas.
Eu considero esse um ponto positivo em especial para quem gosta de viajar e conhecer lugares diferentes e icônicos, como a Cidade do Pecado. Foi nossa primeira vez por lá e ficamos bem impressionados. É uma das cidades mais movidas pelo turismo no mundo então, se você planejar ir ao próximo Sick New World pra ver a sua banda favorita e conseguir passar alguns dias a mais curtindo a cidade, seja apostando em algum cassino ou apenas conhecendo a cidade, o nível da sua experiência tem tudo pra ser elevado tremendamente. Ah, e o preço das diárias de alguns bons hotéis pode ser surpreendentemente em conta, porque o que eles querem mesmo é que você fique lá pelos cassinos, aí sim, torrando sua grana.
2 – O Line up reuniu alguns grandes nomes do Metal, em momento com significado especial.
Para os fãs dos headliners System of a Down e Slipknot foi algo histórico. Primeiro show do ano do SOAD, que na verdade não se apresentava assim desde o Sick New World de 2023. E foi um set com grandes clássicos que não viam um showzinho há bastante tempo. Para os fãs do Slipknot, a apresentação marcou o início de uma fase de celebração dos 25 anos da banda. Subiram ao palco com os icônicos macacões vermelhos e também trouxeram muita coisa que remontava ao início, em 1999. Tudo isso no primeiro show grande com o baterista novo.
3 – O Line up também trouxe uma grande quantidade de bandas menos conhecidas.
Ok, isso é meio óbvio. Todo o festival que se preza traz alguns nomes de peso e vários outros nomes menores que valem à pena dar uma conferida. O que achei positivo aqui foi algo que por outro prisma pode ser negativo. Em apenas um dia, foram 72 bandas se revezando em 5 palcos. Os primeiros shows iniciaram ainda antes do meio dia e o tempo entre os sets da primeira e segunda banda dos palcos menores era de 25 minutos, o que quer dizer que contando com a troca de palco, cada uma dessas tocou por menos tempo ainda, algo perto de 20 minutos. Porque isso está na coluna dos pontos positivos? Porque sets curtos e trocas rápidas podem ser uma boa maneira do público ter uma pequena amostra de várias bandas novas, e com certeza quem privilegiou os palcos menores teve muita coisa para absorver.
PONTOS NEGATIVOS:
1 – O Las Vegas Festival Grounds não é um lugar agradável.
Pra resumir bem: muito asfalto e pouquíssima sombra na área toda entre os palcos. Isso em uma cidade com clima de deserto (pois afinal de contas foi construída em cima de um) e com uma lotação que me pareceu um tanto acima do ideal para o espaço disponível.
2 – Muitas bandas espremidas em pouco tempo
Como prometido, eis que o que citei antes como um dos pontos positivos, ou seja, a possibilidade de você ter contato com várias bandas menos conhecidas em pouco tempo, também acaba aparecendo na lista dos pontos negativos do festival. E aqui fica pra você julgar o que vale mais.
Eram cinco palcos no total. Nos dois palcos principais que mencionei antes, uma quantidade boa de shows. Em um período de pouco mais da metade de um dia, foram sete shows no Red Stage e oito no Gold Stage. Nos 3 palcos menores, no entanto, foram 18, 19 e 20 shows. É muito som pra ajustar, muita correria e entra e sai de banda. E aí, se o objetivo era dar ao público uma provinha de várias bandas menos conhecidas, em alguns casos o tiro pode ter saído pela culatra pois justamente aquela chance que essas bandas tem de se mostrarem para públicos maiores, pode ficar comprometida pelo pouco tempo pra preparar e apresentar o seu melhor.
3 – O Festival ainda não tem uma Identidade própria.
E com isso, não me refiro tanto à identidade visual, que achei bem pobre, da fonte meio circense do logotipo às ilustrações de criaturinhas diabólicas em um cenário que acho que era pra ser uma Las Vegas meio versão Tim Burton no inferno. E nem me refiro à aparente falta de critério no nome dos palcos (Red, Gold, Spiral, Syren e Diablo. Não entendi a conexão, me perdoem se era algo óbvio e perdi a piada). Falo mais de não ter nada ainda pelo qual o Festival pareça querer ser lembrado. A única coisa distintiva, até essa segunda edição, me parece ser o fato de que ele acontece em Las Vegas.
Agora, um comentário que podia ser um ponto negativo a mais mas aí estragaria a minha simetria de 3 pontos positivos e 3 negativos:
Me irrita um pouco o que chamarei de descaso com a cultura vibrante e a comunidade do povo do metal. Sei lá, parece que quando são criados eventos para esse tipo de público, faz parte do pacote oferecer alguma insalubridade no negócio pois se for muito confortável os headbangers podem desaprovar a parada toda.
Óbvio que a coisa está mais para um entendimento de que a pouca sofisticação do público não requer tanto investimento do que um desejo real de legitimação junto à este por parte dos promotores.
De qualquer forma os 3 pontos negativos que mencionei parecem ser uma decorrência direta desse dito descaso. Parece que eles contam com um certo masoquismo do Metaleiro, que pode até achar divertidos alguns dos perrengues.
Deixo aqui um apelo final para essa parte. Se você não gosta de ler esse tantão de texto (e aí, se por acaso chegou até aqui, sinto muito) e só quer mesmo saber que músicas foram tocadas no show X e que tava mesmo incrível, tudo certo. Apenas tenha consciência de que essa informação pode ser gerada a partir de um teclado de computador em qualquer lugar do mundo mas o olhar crítico e o relato de alguém que estava no olho do furacão, isso são outros quinhentos. Mas caso você queira continuar essa aventura, clique aqui para ler a segunda parte da cobertura, em que falamos da apresentação do Slipknot e a grande estreia de Eloy Casagrande na banda em festivais.