Para você que caiu e paraquedas nessa matéria, essa é a segunda parte de uma análise do festival Sick New World que aconteceu no fim de abril em Las Vegas, Nevada. Na primeira parte, explorei seus pontos positivos e negativos; e agora na segunda parte, vamos explorar a estreia do brasileiro Eloy Casagrande em festivais como baterista do Slipknot.

A essa altura você já conhece os últimos capítulos da história recente sobre a entrada do brasileiro Eloy Casagrande no Slipknot. Bom, caso não conheça, aqui vai um resumo:

Depois de sua saída um tanto repentina do Sepultura com mais de 12 anos como o baterista da banda, e de algumas boas semanas de especulações generalizadas na mídia sobre como o timing dessa saída era propício em relação à vaga aberta na mesma posição no Slipknot desde o final de 2023, o segredo de que Eloy Casagrande era mesmo o novo baterista do Slipknot foi revelado.

Já teve postagem oficial da banda dando as boas vindas à ele. Já teve postagem do próprio Eloy. Já teve gringo louco com os milhares de fãs brasileiros inundando o Instagram do Slipknot com comentários em português comemorando a revelação e já estão até falando em novas composições da banda envolvendo o brasileiro. E claro, já aconteceram os primeiros shows com Eloy na bateria. Um menor, em Pioneertown, Califórnia, e também o primeiro show de grande porte, no Festival Sick New World, em Las Vegas, no último dia 27 de abril, que é sobre o qual temos um pouco mais pra compartilhar.

E o que podemos nós te contar aqui sobre essa estreia do Eloy com o Slipknot em grandes festivais, e sobre o Sick New World em si, que você talvez ainda não tenha lido em alguma nota ou visto em vídeos por aí? Nossa equipe de duas pessoas foi pessoalmente à Las Vegas, em missão especial colaborando com o Wikimetal para te mostrar como foi o festival e o novo lineup da banda.

Eloy Casagrande no Slipknot

Falei antes que tínhamos decidido ficar direto desde o show anterior no palco onde seria o show do Slipknot, pra garantir um lugar legal pra ver o show e a estreia do brasileiro na batera. Foi o que fizemos. E apesar das pernas cansadas depois de um longo dia de vai e vem debaixo do sol de Las Vegas, o lugar bom e a possibilidade de conseguir uma imagenzinha legal daquele momento crucial do festival, seguia nos provendo da energia que precisávamos pra continuar de pé.

Onde estávamos, que não chegava a ser na grade, mas já dava pra ver as pessoas no palco com mais de um dedo (esticado) de altura, a galera já estava bem compactadinha. Todos que estavam ali, já estavam há bastante tempo no mesmo lugar e meio que se formou aquele acordo não declarado de convivência pacífica para o futuro próximo.

Com a proximidade do início do show, uma certa movimentação indesejada ao nosso redor (ou mais precisamente, atrás de onde estávamos) se iniciou. Um cara extremamente desagradável, posando de bêbado alegrão e fã número 1 do Slipknot começou lenta e insistentemente a tentar forçar seu avanço entre o nosso grupo, inclusive lançando um conto de que o amigo dele estava mais pra frente e não podia se perder dele, mas rolou da parte da nossa turma uma indignação coletiva e trancamos a passagem da figura. Foi algo como uns 20 minutos de insistência e pelo menos 4 de nós, eu incluso, batendo boca com o cara e mandando ele voltar de onde tinha vindo.

Faltando poucos minutos pro início do show, outras versões desse cara asqueroso começaram a brotar das profundezas do inferno e logo tínhamos uma horda de criaturas de expressão bestial bafejando em nosso cangote e nos pressionando para a frente, em conjunto.

A gritaria do nosso grupo exigindo o recuo da horda caiu em ouvidos completamente surdos. Um dos nossos companheiros de resistência, que era um cara bem grande, perdeu a pouca calma que ainda tinha e jogou, berrando muito, seu corpo contra a massa disforme que avançava pra cima de nós. Por um instante uma clareira de uns 3 metros de diâmetro se abriu mas acho que menos de 1 segundo depois, o povo voltou a avançar sobre o espaço vazio com força e rapidez redobrada, como uma onda que se agiganta e quebra logo depois daquele recuo do mar que a alimenta.

Nesse momento o empurra-empurra foi generalizado e tivemos que nos segurar uns nos outros pra não cair. Nosso companheiro que havia encarado de frente o maremoto em curso, jogou por fim a toalha, soltando um “Fuck this shit!” (“F*-se essa M!”, em tradução livre) e junto com nossos outros colegas de trincheira abriu caminho em direção a territórios mais pacíficos.

Daquele grupo que estava há umas boas duas horas naquele mesmo lugar aguardando o Slipknot, restara apenas nossa dupla de intrépidos correspondentes de guerra e a missão de conseguir uma imagem ao menos aceitável do início do show. Pensamos em abandonar o barco também mas nos decidimos conscientemente pelo desconforto. Foram mais alguns minutos de desagradável apreensão.

Soaram os primeiros acordes e a primeira metralhada de pauladas da bateria. Instantaneamente a insanidade ao nosso redor saltou a níveis desumanos e tudo começou a tremer. Meu braço agarrava firme o celular, um aparelho bom, câmera excelente. Nossa posição era muito boa.

Apesar de todas essas condições favoráveis, foi como se de repente eu tivesse sido acometido de um Mal de Parkinson tão severo que me era impossível manter a mão parada. Nem por dois segundos. Nem por um segundo. Tremedeira constante. Fiz o possível. Tentamos por, sei lá, cerca de uns dois minutos, mas o terremoto não dava sinais de estar esmorecendo. Decidimos abandonar o navio. Fuck this shit!

Começamos um lento e árduo recuo, nos afastando do palco. Por um momento, quando decidi encerrar o martírio, fui alimentado pela ilusão de que bastava parar de insistir no erro e tudo ficaria melhor, como se só daquele ponto para a frente estivesse rolando o cosplay de sardinhas em lata. Ledo engano.

O trajeto para trás pareceu ser quase tão difícil quanto seria para a frente. Passamos por uns três mosh pits no caminho e em um deles até possivelmente salvei uma vida, ajudando rapidamente a levantar a moça que caiu no meio da roda, aos meus pés. Digamos que as chances dela ser pisoteada ali no meio eram mais do que mínimas.

Não sou muito bom de estimativas de distâncias percorridas mas devem ter sido uns cem metros (que pareceram mil) dessa “caminhada da derrota” para trás, liderando um grupo de mais umas 5 pessoas que colaram na gente e enfrentando, além das bolhas de ação repentina causadas pelos mosh pits, as ondas e ondas de maggots com expressões desaprovadoras, um misto de incômodo por ter que dar licença pra gente passar e perplexidade por estarmos nos movendo para trás tão no início do show. Tivemos, é verdade, nesse trajeto alguns momentos sublimes de comunhão com o povo mais investido no show, pulando aqui e ali nos mosh pits e se deixando levar pela música e pela empolgação geral, mas a verdade é que foi um alívio chegar a uma área onde a terra não tremia.

Assistimos o resto do show de uma distância segura e foi realmente um showzaço, com sabor de Slipknot das antigas. Eloy matou a pau.

Você pode estar se perguntando a essa altura, o quanto de verdade há nesse relato e porque, não se ouviu falar mais por aí desse sufoco que passamos. Ou ainda, porque, ao invés dessa reflexão toda, você não está lendo o relato de alguém que estava curtindo demais ser parte daquela horda de maggots. Todos questionamentos válidos.

Tudo o que saiu em outros veículos foi o setlist do show, algumas palavras de Corey Taylor e a maneira como todo o povo presente curtiu demais cada segundo. Ora, o que cada um sente é sempre algo pessoal e subjetivo, claro, e é óbvio que se você perguntar para aquele cara inconveniente do começo desse causo o que ele sentiu, o relato vai ser completamente diferente. Aliás tá aí uma ideia de cobertura original: acompanhar as aventuras e desventuras de um super fã que chega no show na hora que vai começar e vai abrindo caminho do jeito que der pra assistir bem na frente, na grade. Se alguém fizer essa, lembrem que lancei a ideia antes.

Meu ponto é que até esse relato do meu arqui-inimigo de ocasião seria algo mais interessante do que a maneira superficial e em geral elogiosa que estamos acostumados a ouvir falar do que rolou em shows e festivais.

Como disse na primeira parte dessa cobertura, caso você só queira saber que músicas foram tocadas no show X e que estava mesmo incrível, tudo certo. Apenas tenha consciência de que essa informação pode ser gerada a partir de um teclado de computador. Oferecemos aqui um olhar crítico de quem estava lá para presenciar e experienciar tudo isso.