21:07 sobe o telão do Teatro Bourbon Country de Porto Alegre, palco de apresentações de todos os setores das artes, e que no dia 19 de agosto recebeu o Sepultura. O lendário grupo brasileiro dispensa apresentações, e nesta noite brindava os gaúchos com a esperada execução de temas de seu mais recente e já consagrado disco, Quadra (2020). Item indispensável na discografia do quarteto, seu lançamento reiterou a poderosa retomada que a banda vem vivendo desde seu disco anterior, Machine Messiah (2017). Para essa noite, Derrick Green (voz), Andreas Kisser (guitarra), Paulo Xisto (baixo) e Eloy Casagrande (bateria) prepararam um set com ênfase na ótima fase que esta formação vive, mas também buscou velharias que tremeram as estruturas do teatro.
Titãs rola no PA, animando o povo que mandou ver nos refrães. Jogo de luzes vermelhas chamam a dramática introdução de “Isolation”, faixa do novo disco, com o quarteto subindo ao palco e trazendo sua sonoridade poderosa em altíssima definição. A clássica “Territory” traz os fãs para dentro da apresentação, cantando as letras com Derrick. A banda apresenta uma coesão impecável, e se hoje as interpretações de clássicos da era Cavalera levantavam dúvidas, hoje essas execuções são saudadas com respeito e paixão por parte do público.
“Muito foda estar aqui com vocês”, dispara Derrick, antes de apresentar o novo clássico A “Means To An End”. As novas músicas trazem uma banda muito pé no chão, cravado na realidade e na sede por palco. O envolvimento do público, compactado na arquitetura do teatro, deixou o espetáculo ainda mais especial.
Uma intro rola no PA e quem foi pra ver o disco novo gostou: “Capital Enslavement” é porradaria e thrash metal, e a presença de palco de Andreas Kisser mostra por que ele é um cara tão respeitado pela velha guarda do estilo.
A banda busca “Kairos”, um dos sucessos da era Derrick, que convocou a interação do público durante o solo de Andreas. O baixo está com um timbre fenomenal, graves perfeitos reverberavam robustos e com muita qualidade.
Andreas toma o microfone, agradece a presença de todos os gaúchos, animado por finalmente poderem cumprir suas turnês em paz. “Vamos tocar umas velhas. Essa é do Chaos AD”, e lá vem “Propaganda”, trazendo a estética política do Sepultura em tempos de mentira e caos.
Uma ainda mais antiga, “Dead Embryonic Cells” surpreendeu os caçadores de setlist, a casa veio a baixo, público pulando loucamente em massa, sempre atualizando o renomado sucesso da era clássica, underground e brutal da banda.
Do passado para o presente, “Guardians Of Earth” após introdução com violão de nylon de Andreas, seguida de uma massa sonora direto na cara. Ótimas ambientações orquestradas agregam na execução do single, e a subida para os agudos no fretboard do guitarrista levam os presentes ao delírio.
“Last Time” e “Cut Throat” fazem a roda girar, as pessoas se quebrando no Teatro traduzia a animação da noite. “O moshpit ta bonito”, avaliou Andreas. A banda ainda toca “Corrupted” lembrando-nos da imensa bagagem, às vezes esquecida, que a banda traz em sua discografia.
“Machine Messiah”, com playbacks de guitarras ao fundo, faz a banda partir para a faixa do renascimento do Sepultura, quando do lançamento do disco homônimo. O que não foi playback foi a voz limpa de Derrick, que mostrou um timbre muito potente. E aí a reviravolta: não era playback nas guitarras – o guitartech participa da música discretamente, do lado do palco. Particularmente, acho feio não agradecer ao músico de apoio publicamente. Afinal, a música não soaria tão boa sem ele.
“E aí Porto Alegre?”, Derrick chama, “Vamos tocar um sepultura clássico, um lado B”. “Infected Voice” leva os saudosistas a outro clássico, desta vez do álbum Arise. Na sequência, “Agony Of Defeat”, track cadenciada, deixando Derrick transitar nos graves e dar aula de versatilidade e interpretação – uma faixa intensa, com um encerramento digno de uma das bandas clássicas mais ativas de sua geração.
“Refuse/Resist” arrasou todos os quarteirões da Zona Norte de Porto Alegre, numa comoção quase religiosa. Os músicos se distraem numa breve (e sempre bem-vinda) sessão de improvisação, e com uma execução definitiva do hino “Arise”, a banda deixa o palco às 22:30.
O que dizer de Eloy Casagrande? Nada que já não se saiba. O cara está mais visceral do que nunca, alia técnica e violência e cria arte a queima roupa na frente de todos que sabem apreciar velocidade, quebradas e linhas percussivas inteligentes. Muito se brinca sobre o Sepultura ser a banda de apoio do Eloy. É uma piadinha maldosa, mas é fato que a banda não desfrutaria de tanto conforto e paz mental, e não converteria isso em alta-performance e aprimoramento de sua própria discografia, se não tivessem um músico tão confiável e destemido quanto ele.
Na curta pausa para retomar o fôlego, a banda vem pra fechar a festa com “Ratamahatta” e a icônica “Roots Bloody Roots”, momento de absoluta entrega dos presentes. A banda se despediu com a moral lá em cima, e seu retorno já é esperado pela cidade inteira.
Me encheu de satisfação ver que o Sepultura segue mais livre do passado do que nunca, valorizando sua discografia pós-96, mostrando música relevante e botando ordem na casa. A banda que viveu dias de muito suor na retomada da sua identidade, hoje põe na rua o maior show de heavy metal do Brasil.
Nossa colaboradora Alessandra Felizari também esteve no evento e registrou a noite. Confira abaixo.