Texto por Eduardo Simões
Quarenta anos depois dos seus primeiros passos em Belo Horizonte o Sepultura retornou a sua terra natal para inaugurar a nova turnê Celebrating Life Through Death World Tour. Mas o show tinha um retrogosto amargo: seria o último da banda em Belo Horizonte.
Antes que os fãs pudessem digerir a eutanásia anunciada no final de 2023, veio a segunda bomba: o baterista Eloy Casagrande se desligou da banda, sendo substituído por Greyson Nekrutman.
Cheguei no Arena Hall por volta das 16h no último dia 01 de março para acompanhar a passagem de som. A banda estava tocando bem, mas visivelmente apreensiva.
O público que comprou um ingresso diferenciado acompanhava cada movimento do novo baterista. Greyson teve cinco dias para tirar mais de 20 músicas desses três grandes bateristas e outros cinco para ensaiar com a banda. É pouco, muito pouco.
Andreas Kisser se dirigiu ao público destacando que Greyson estava fazendo um excelente trabalho, mas que ainda estavam fazendo alguns ajustes, já que os arranjos de bateria das músicas do Sepultura não são fáceis. Realmente não são.
Após a passagem de som abriram os portões e o público rapidamente lotou o local.
A banda de abertura Eminence entrou no palco pontualmente às 19h, com a excelente “Burn it Again”. O som estava alto, claro e incrivelmente pesado.
A banda possui uma bela história com várias turnês internacionais, inclusive tocando com o Sepultura várias vezes na Europa. E essa experiência fica evidente no show: todos à vontade, tocando com desenvoltura.
O baterista postou uma drum cam da mesma música nesse endereço.
Claro que nem tudo é perfeito: a banda esqueceu de me ligar para pedir sugestões para o setlist e a minha música preferida deles, “Minds Apart”, não foi tocada. Que não comentam o mesmo erro quando tocarem no dia 27 de abril em São Paulo, no Festival Summer Breeze.
De qualquer forma, o Eminence certamente ganhou vários fãs.
O Sepultura subiu ao palco às 21h12 com uma sequência de três músicas do clássico Chaos A. D. para delírio dos presentes. A banda está viva, forte e afiada. Pelo tempo que quiser continuar assim.
O palco foi muito bem pensado, com telões que alternavam o logo da banda, vídeos com o tema das músicas executadas e a imagem dos músicos. Mesmo já tendo tocado em todos os grandes festivais do mundo, arrisco afirmar que nunca tiveram um palco tão bonito. Mas o mais importante sempre foi a música, e ela estava sendo muito bem executada.
A complexa “Guardians of Earth” foi tocada ao vivo pela primeira vez em Belo Horizonte, com toda a sua dramaticidade.
A responsabilidade do Greyson não era pequena, já que o Sepultura tem tradição de excelentes bateristas: Iggor Cavalera continua sendo um dos mais criativos do mundo, Jean Dolabella um multi-instrumentista preciso e Eloy Casagrande, bem, não existe elogio que seja exagerado ao falar da sua capacidade musical. Mas, seja qual for o tamanho do problema, ele foi devidamente administrado pelo fantástico Greyson.
Os demais músicos também merecem elogios. Derrick Green cria linhas de voz extremamente inteligentes e as executa com facilidade sem nunca perder a voz ou mesmo ficar rouco. Paulo Xisto toca extremamente cravado e com um estilo próprio que, infelizmente, ainda não recebeu o devido reconhecimento no Brasil – após o show do Rock in Rio em Las Vegas o baixista recebeu elogios de ninguém menos que Steve Vai. Andreas Kisser sempre fugiu dos clichês tão comuns aos guitarristas, criando um estilo próprio, agressivo e com notas dissonantes. Mas o que mais impressiona é que consegue inserir na música do Sepultura influências de rock progressivo, música clássica e até MPB. É um dos músicos mais completos do Brasil e isso independe do estilo.
No público, o renomado médico Dr. Júlio Franco caminhava sem muito alarde com uma camisa da banda. Provavelmente precisaria posar para algumas fotos se soubessem que ele foi primeiro guitarrista do Sepultura.
Após homenagear as várias fases da banda, saíram do palco com “Arise” e um bis com “Ratamahatta” e Roots.
Vale à pena contextualizar o que esse retorno para casa significou para o público mineiro. O Sepultura começou em Belo Horizonte em 1984, tocando em lugares pequenos. Resilientes, ensaiavam todos os dias.
Conseguiram superar as mudanças na formação e manter um público fiel, tocando nos maiores palcos e festivais do mundo.
Mesmo tocando uma das modalidades mais extremas de heavy metal, fizeram o dificilíssimo cross over ou seja, conseguiram vender um produto para quem não o consome normalmente. No caso, mesmo quem não escuta heavy metal normalmente consome a música da banda.
Em 2017, depois de mais de 30 anos de história, lançaram um dos seus melhores discos, o impecável Machine Messiah. E mantiveram a qualidade no disco seguinte, o excelente Quadra.
É isso que os cinco mil fãs que esgotaram os ingressos celebrarram no Arena Hall de Belo Horizonte. Música, história e superação. Não boatos ou fofocas.
E foram presenteados com show digno dessa história. Espero que Otávio Juliano, presente no show de BH, aproveite essa turnê para fazer um segundo documentário sobre a banda.
Um aspecto negativo: mais uma banda que comete o inaceitável erro de não me consultar sobre o setlist. Um erro muito comum, infelizmente. Resultado: não tocaram “Machine Messiah”, “Desperate Cry”, “Iceberg Dances”, “Mass Hypnosis” e… Bom, para satisfazer esse fã antigo precisariam de um setlist de no mínimo 4h.
No camarim, Greyson tirou fotos com todos da equipe técnica. Conversamos sobre tudo que estava acontecendo e perguntei qual música ele tinha considerado a mais difícil. Diplomático, ele disse que “todas tinham os seus desafios”. Alguém insistiu perguntando sobre “Arise” e ele disse: “ela é muito rápida, mas ‘Escape to the Void’ é muito mais difícil”.
Desejo muita sorte para Eloy Casagrande no seu novo projeto. Quero que ele, como todos que já passaram pelo Sepultura continuem fazendo boa música.
Não sabemos exatamente o que vai acontecer com o Sepultura após essa turnê. O Slayer, por exemplo, mesmo tendo “acabado” oficialmente em 2018, fará alguns shows nesse ano, supostamente por insistência da esposa do Tom Araya.
Não devemos pressionar o Sepultura nesse momento. A decisão não deve ter sido fácil e todos os prós e contras certamente foram pensados e pesados. E depois de 40 anos de bons serviços merecem o descanso que quiserem e precisarem. Mas que eu torço para que batam um bom papo com a esposa do Tom Araya, isso eu torço.
A turnê tem produção de 30e e os ingressos para os shows em São Paulo estão disponíveis no site da Eventim.
Sepultura no Arena Hall – 01/03/2024
Som mecânico. Polícia (Titãs)
- Intro
- Refuse/Resist
- Territory
- Slave New World
- Phantom Self
- Dusted
- Attitude
- Kairos
- Means to an End
- Cut-Throat
- Guardians of Earth
- Mind War
- False
- Choke
- Escape to the Void
- Kaiowas
- Sepulnation
- Biotech Is Godzilla
- Agony of Defeat
- Troops of Doom
- Arise
BIS
- Ratamahatta
- Roots Bloody Roots
Som mecânico. Easy Lover (Philip Bailey)
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