Chegamos ao nosso último dia em Austin e acho que agora, enquanto cruzamos os céus da América do Norte rumo à novas aventuras, cabe fazer uma recapitulação das coisas legais que vimos e vivemos durante os 10 dias do Festival South By Southwest (@sxsw).

Acho que a primeira coisa digna de nota é a natureza única, me parece, de um festival que se propõe, acima de tudo, a conectar. São incontáveis talentos da música, cinema, jogos, interatividade, inovações tecnológicas, todos conhecendo e se conectando à outros talentos e à empresas e iniciativas que podem ter interesse em promovê-los. E tudo concentrado na mesma cidade, durante um curto período de tempo.

Mas mais do que essa parte, por assim dizer, corporativa, o gostoso de guardar e levar com a gente são as conexões pessoais criadas nos encontros entre indivíduos das mais diferentes origens, que acontecem nos entreatos do festival. Conhecemos bastante gente legal e alguns viraram amigos para reencontrar, com certeza. Teve a moça local que puxou papo na degustação de Bourbon porque pedimos a mesma coisa, teve o canadense recém-chegado, já no meio do festival, que dividiu a mesa com a gente pra atacar uma comida chinesa de rua, teve a Carly, que nos ofereceu um passeio no seu pedicab cujo turno já estava comprado por uma ação de um programa novo de TV, teve o Stephen, um dos fotógrafos oficiais do evento, que encontramos em vários lugares ao longo dos dias e de quem pudemos testemunhar a lenta desintegração física decorrente de exaustão pura e teve também um casal muito querido, a Lucy e o Pedro, ela inglesa, no SXSW para fotografar, e ele, português, ali para participar de uma conferência. Acabamos curtindo vários shows com eles, inclusive o da festa de encerramento, vendo os irreverentes coreanos da Balming Tiger (@balmingtiger) e a ótima e plurinacional banda Los Bitchos (@losbitchos) no palco, e saímos dali com pouso garantido se formos algum dia para Liverpool, onde moram nossos novos amigos.

Teve também encontros bonitos com todo o povo com quem a gente se relacionou durante a nossa cobertura dos shows em si ou realizando entrevistas, e que renderam ótimas histórias. Ressalto com carinho, da galera brasileira, a energia boa do Akeem, do Zuana e do Felipe da Akeem Music (@akeem.music), também os muito queridos Gabriel Gonti (@gabrielgonti) e Paulo Pimenta, o poder feminino da Bivolt (@bivolt) e sua entourage, os super simpáticos Felipe da Tagua Tagua (@tagua.tagua) e o Conrado e Gabriel da Atalhos (@atalhosbanda) e o incansável Bruno Montalvão da Brain Productions (@brainproductions). Dos gringos, Chris Lowe e Eleot Reich da Volk (@volk_band), Dani Miller da Surfbort (@therealsurfbort) e os irmãos Myles e Layne Ulrich, da Taipei Houston (@taipei_houston), e sua empresária Carina.

E ainda tem aquelas figuras famosas, com quem também seria delírio dizer que fizemos amizade por lá ou sequer trocamos uma ideia, mas cuja proximidade tão natural e corriqueira no festival faz você lembrar com carinho depois. Teve a nossa selfie com a figuraça do Sebastian Bach a poucos metros de distância do Geezer Butler, teve o Ethan Hawke passando pela gente na estreia do filme do Richard Linklater e indo sentar em um lugar ainda piorzinho que o nosso, que já não era dos melhores, e teve o Nicolas Cage, que vimos junto com o Pedro Pascal, no tapete vermelho da estreia daquele filme em que ele interpreta uma versão ficcionalizada dele mesmo.

Esse encontro foi um pouco amargo porque esperamos um tempão em uma fila secundária com a nossa credencial específica do Festival de Música e o cinema lotou antes de chegar a nossa vez. Sinceramente, quem perdeu mais, no fim, foi o Nicolas Cage, porque eu carregava na minha mochila uma ilustração que fiz em 2020, nos 30 anos de Coração Selvagem (que ele estrelou junto com a Laura Dern), e estava decidido a presenteá-lo com a arte durante o Q&A que eles fariam depois da exibição do filme. Perdeu essa chance Nick, mas te amo mesmo assim!

Outra coisa peculiar em Austin que merece ser mencionada é a quantidade absurda de bares e palcos. Não é o caso de uma vizinhança ou rua específica com muitas casas de show. São várias vizinhanças com casas dos mais diferentes estilos e um dos formatos mais interessantes é o que conta com uma construção principal, onde geralmente já tem um palco e a partir dessa construção, outros espaços adjacentes secundários, com um ou mais palcos extra, dos quais a área ao ar livre, ou pátio, acaba sendo a mais nobre. Me permitam uma divagação filosófica menor: fiquei aqui pensando que a coisa toda é uma espécie de fractal, sendo o bar a menor fração desse todo de “Cidade Palco” que é Austin. Dá pra fazer (e eles provavelmente fazem) pequenos festivais dentro dessas casas e chamaríamos então o pátio de “outdoor stage” desse festival.

E por falar nas casas de show, eu citaria duas às quais me afeiçoei um pouco mais, digamos: Continental Club (@continentalclubatx) e Hotel Vegas (@hotelvegastexas). Nesses lugares vimos, respectivamente, os shows da Volk e da Surfbort. Acho que é mais uma questão de gosto, e Austin tem espaço pra tudo mas ambos os lugares carregam identidades mais rock and roll e muito autênticas e talvez por serem um pouco mais afastados da área mais central e badalada da cidade, exigem um pouco mais de intenção por parte dos frequentadores. Em outras palavras, me parece que quem estava lá, queria mesmo estar lá e pra ver aquelas bandas, o que cria de cara uma identificação entre a galera que está curtindo, ao passo em que em alguns dos lugares mais centrais algumas pessoas apenas estão passando na frente e acabam “escorregando” para dentro. Mas sei lá, isso também pode ser bom, pois é dessa forma que algumas ótimas surpresas se dão. De qualquer forma, o clima dos lugares, a ideia que trocamos com o duo da Volk depois do show e em especial, a minha aventura fotografando a Surfbort do meio de uma sensacional roda punk, garantiram ao Continental Club e ao Hotel Vegas, uns pontos a mais no meu caderninho.

Vimos muita coisa nesse festival e ainda assim estou ciente de que a nossa experiência foi uma dentre muitas possíveis. Você poderia ler um relato completamente diferente de alguém que esteve em Austin cobrindo este festival para outro veículo (muito embora eu tenha a impressão que a imprensa especializada brasileira não dá a atenção devida ao que acontece aqui) e ainda assim o relato poderia ser completamente outro. Pensei em uma história para um filme de ficção científica: duas pessoas estão ao mesmo tempo, no mesmo lugar, mas em dimensões paralelas, vendo e ouvindo coisas diferentes. Ok, não chega a ser uma história, mas vocês entenderam o ponto. O SXSW é um pouco assim. No dia seguinte à cada dia de atividades eu recebia um e-mail do Festival com alguns dos highlights do dia anterior e a impressão que eu tive, uma ou outra vez, foi a de que algumas daquelas coisas tinham acontecido em outra dimensão, porque o que eu vi tinha sido um outro conjunto de coisas, igualmente incríveis e destacáveis.

Na segunda-feira, primeiro dia pós-festival oficialmente, ainda estávamos na cidade e pensamos em dar uma última caminhada e talvez fazer algumas fotos ao ar livre. Andar nas ruas da central Avenida Congress um dia depois do SXSW faz a gente perceber que apesar de Austin ser uma cidade muito legal, digna do slogan “Keep Austin weird!”(que destaca com razão a distinção cultural da cidade dentro do conservador estado do Texas) muito da mágica que a gente experimenta durante o festival nas ruas da cidade é fruto do próprio festival. Na segunda-feira com jeito de ressaca não vimos mais grupos alegres de pessoas dos mais diferentes lugares, com suas credenciais ao vento indo à algum filme, show ou conferência ou mesmo nos abordando do nada em algum lounge pra saber mais sobre a gente e nem teve sol do Texas aquecendo nosso passeio. Na verdade o tempo bem feio chegou a render, mais tarde, até um alerta de tornado na cidade. A gota d’água para a gente entender que era hora de partir foi passar em frente ao majestoso Paramount Theatre e ver que o letreiro clássico da fachada ostentava o nome do músico Kenny G. como a atração da noite. Nada contra o Kenny G. pessoalmente, mas a mudança algo brusca de estilo bateu em mim como um sinal que já era hora de ir mesmo.

Tchau, South by Southwest! Espero te ver ano que vem!