Ícone do site Wikimetal
Besouro da Lua

Besouro da Lua. Crédito: Divulgação

O pacto satânico da sociedade capitalista em “Ladrão de Vidas”, do Besouro da Lua

No EP ‘Idiocracia’, banda independente critica mercado de trabalho conservador

Quando se pensa em rock n’ roll, existem muitas histórias fantasiosas sobre pactos com forças malignas para a conquista do sucesso. Em “Ladrão de Vidas”, a banda paulista independente Besouro da Lua traz uma reflexão mais realista: pior do que qualquer acordo com o demônio é o modo de trabalho incessante da sociedade capitalista.

A faixa faz parte do EP Idiocracia, projeto de estreia do grupo independente, e traz as ”experiências horripilantes” do cantor, instrumentista, compositor e produtor Santino no mercado de trabalho conservador, trazendo na sonoridade e atitude as referências do post-punk e hardcore. 

Narrando todo o processo de adoecimento pela alta demanda de trabalho, que enxerga os trabalhadores como máquinas ao invés de seres humanos complexos, a faixa “Ladrão de Vidas” é uma crítica a esse sistema pelo depoimento em primeira pessoa da própria força opressora.

“Sua vida acabou, nosso pacto vai até o fim
Eu não aceito outra resposta além do sim
Seu suor vai me enriquecer e os restos são seus”

Logo na primeira estrofe, a música já coloca o mercado como um pacto vitalício no qual a classe trabalhadora não possui opções alternativas práticas e realistas, restando o pacto que enriquecerá apenas as classes mais abastadas enquanto os demais se iludem com a ideia de meritocracia. 

“Escolheu trocar sua vida por um mausoléu
E o carro do ano já tá na garagem
E essa vai ser a vida que tanto sonhou
Só esqueci de te dizer, acabou”

Mesmo entre aqueles que conseguem ascender socialmente, as conquistas materiais ainda cobram todo o tempo da pessoa, sem possibilidade de viver de fato, já que essa pessoa “se vendeu totalmente para uma empresa, buscando somente o dinheiro e o ganho material, em troca de sua própria saúde mental e física”, como explica Santino ao Wikimetal. “De certa forma, é um pacto com uma entidade chamada Ladrão de Vidas: ‘em troca de sua alma, eu realizarei o que você quiser’”. 

“Sua respiração mudou, mas deve ser imaginação
Cada mentira que você contar, é um zero mais na sua conta
A verdade é que ninguém vai lembrar de quem você é
Te falta coragem, pra admitir que sua existência é igual a nada
Eu prefiro ser do que ter
Eu sou o ladrão de vidas”

Besouro da Lua - Ladrão de Vidas

LEIA TAMBÉM: 5 bandas de rock e heavy metal que você precisa conhecer: Phil Manca, Vessel e mais!

Com a própria experiência de enfrentar a depressão após alguns anos trabalhando com o próprio “ladrão de vidas” – fossem bancos, indústrias ou multinacionais -, Santino cita sintomas dos diversos transtornos mentais causados pelo excesso de trabalho em condições de alto estresse e cobrança. 

Em uma das empresas pelas quais passou antes de criar o Besouro da Lua, o artista soube por meio de uma enfermeira que, todos os dias, de uma a três funcionários apresentavam problemas cardíacos relacionados ao estresse da rotina. “O dinheiro faz todo mundo pirar, começam a mostrar a pior parte que existe em você”, observa.

Nesses ambientes, além da falta de humanidade ao lidar com os funcionários, existe também pouco espaço para a diversidade e expressão. “Eu vejo o início de uma conscientização [no mercado de trabalho] que visa o bem estar e a diversidade nos empregos, mas ainda há muita gente torcendo o nariz, pessoas extremamente conservadoras que julgam seu gênero, sua cor, seu cabelo, suas tatuagens, seu sotaque, suas roupas”, conta Santino. “Eu acredito que, apesar de toda a dificuldade e preconceito, nós precisamos ocupar cada vez mais esses espaços e preparar o terreno pra quem vier depois, a luta tá só no começo”.

Essa luta está alinhada também com a essência do rock enquanto estilo de vida de protesto: é preciso criar caminhos para mudar a mentalidade de que tudo vale por dinheiro e dar às  pessoas a oportunidade de viver com qualidade. “Apenas faça o que você ama e cuide de você e das pessoas ao seu redor”, resume o músico. 

LEIA TAMBÉM: Luta contra pornografia ganha voz com Femegades: “É importante desafiar o status quo”

Sair da versão mobile