O Ratt não só abriu minha mente ao Hard Rock – o poser, o farofa, o Hair Metal. Me ajudou a aceitar o que antes era quase “proibido”. Foi como sair da prisão. Estava livre.”

Por Ricardo Batalha (*)

Hoje em dia, quando penso que troquei cinco discos de vinil do AC/DC para pegar um do Dark Angel na Woodstock Discos, tenho consciência de que não fiz um bom negócio. Não que o Dark Angel seja ruim, especialmente porque ainda tenho o tal disco, mas sinto falta dos meus álbuns de bandas “normais”, das clássicas, aqueles lançamentos que eu mesmo chamo de “babas”. Porém, no auge do radicalismo e da descoberta das bandas mais extremas e “porrada”, para mim não havia espaço para curtir som leve. Eram dez horas de Slayer por dia e algum tempo para outras como Celtic Frost, Voivod, Sodom, Venom, Bathory, Possessed e por aí vai.

Nos tempos de “Batalha Slayer” cheguei ao cúmulo de chamar várias bandas que hoje curto demais de “Falso Metal”, algo que meu irmão, Frederico, certamente irá me zoar até meus últimos dias de vida. Discos com teclado, saxofone, metais e bateria eletrônica eu descartava sem sequer ouvir – lia as informações da contracapa ou do encarte e não comprava. Eu sei, você também já ouviu a “máxima” mais imbecil do mundo: “Não ouvi e não gostei”.

A vida seguia assim, mas toda vez que escutava riffs de certo grupo norte-americano que fazia muito sucesso no Hard Rock, eu parava para prestar atenção. Mas não passava disso. Alguns outros amigos, bem menos radicais ou que nem chegaram a entrar a fundo no Thrash/Black/Death Metal, já curtiam aquela banda com entusiasmo. Sempre falavam a mesma coisa: “Batalha, não é possível que você não curta esses riffs de guitarra!” Como andava em uma turma cheia de gente que estava esperando um “deslize” para fazer chacota na frente de todos, nunca dei o braço a torcer. Você teria um mês de chateação se alguém ficasse sabendo que, mesmo naquele finalzinho de uma coletânea em fita K-7, você gravou uma música “fora do esquema”.

Então, certa vez, fui à casa de outro amigo que ouvia Slayer como eu, o Marco Antonio Nogueira, para gravar alguns vídeos de shows e videoclipes, outra prática bastante comum nos anos 80. Juntar dois vídeos para gravar era uma coisa que aproximava os fãs e, invariavelmente, criava amizades. Os mais puritanos podem pensar que era uma forma de pirataria. Sim, era, mas me fale algum brasileiro que tinha uma coleção de vídeos VHS oficiais. É, ninguém tinha. Nem mesmo os lojistas. Pois bem, estava lá gravando vídeos piratas ao vivo – um deles era aquele do Slayer na Holanda na fase “Show no Mercy” –, e então chegou outro amigo que tocava guitarra, o Eduardo. O cara só falava na tal banda. Era Ratt pra cá, Ratt pra lá. E falava de um dos guitarristas, Warren DeMartini. E falava do vocalista, Stephen Pearcy…

Quando me perguntavam se eu estava “curtindo poser”, respondia: “Sim, mas só o Ratt.”

Quando já estava ficando de saco cheio, falei para ele: “Tudo bem, meu, coloca essa sua fita, vai!” E então ouvimos os riffs iniciais da “You’re In Love”, faixa de abertura do álbum “Invasion Of Your Privacy”, coisa que já passava na TV há tempos nos programas como Realce, da TV Gazeta. Mais uma vez eu pensei comigo: “Legal!” Também pudera, a trinca de abertura desse disco é fenomenal, seguindo com “Never Use Love” e “Lay It Down”.

Só sei que de “legal” em “legal”, acabei gravando aquela fita dias depois. Na semana seguinte, comprei o disco “Invasion Of Your Privacy” e nas seguintes os outros que tinham saído no mercado nacional. Quando me perguntavam se eu estava “curtindo poser”, respondia: “Sim, mas só o Ratt.” Até meu amigo Claudio Fortuna, que ouvia as mesmas bandas mais extremas mas tinha uma cabeça mais aberta, se rendeu: “O que me irrita é que eles ficam com ‘love’ pra cá, ‘love’ pra lá, mas também gostei. É legal esse disco, pode gravar pra mim.”

Como sempre uma coisa leva à outra, fui percebendo que estava achando legal demais e então comecei a recuperar o tempo perdido. Como também fora apresentado ao Dokken, a resposta àquela pergunta ia tendo bandas adicionadas a cada semana: “Sim, estou ouvindo Hard, mas só o Ratt e o Dokken.” Pensa só na cara irônica do meu irmão, tirando sarro diariamente, entrando no meu quarto e falando: “Hummm, curtindo rockinho falso Metal, é?”…

O Ratt não só abriu minha mente ao Hard Rock – o poser, o farofa, o Hair Metal – e as que hoje são chamadas de ‘hair bands’, mas indiretamente me levou à redescoberta das bandas que eu havia “abandonado”, como o Triumph (um crime!), por exemplo. E mais, me ajudou a aceitar o que antes era quase “proibido”. Foi como sair da prisão. Estava livre.

Muitos anos depois, quando já tinha perdido as esperanças de vê-los ao vivo na minha frente, veio a notícia de que o Ratt seria uma das atrações do “Monsters Of Rock” de 2013.”

Voltei a ouvir, curtir, ler e estudar sobre as grandes e as mais obscuras bandas dos anos 60 e 70 e “até” Pink Floyd, mesmo com muito teclado, piano e saxofone (!). Aceitei o The Doors, que antes odiava porque o teclado tinha som de “órgão de velho”… Assim, além de buscar outras novidades do Thrash e da música extrema, continuei descobrindo bandas e vibrando novamente com os sons outrora considerados “leves demais” por mim. Gravei dezenas de cópias da demo-tape “Death Cult” do Coroner aos meus amigos – aquela com o Tom Warrior do Celtic Frost nos vocais. Por outro lado, ninguém mais queria ouvir minhas coletâneas quando saíamos de carro ou viajávamos. Ficava todo mundo comentando: “Pô, Batalha, você é louco! Como consegue gravar Ratt, Sodom, Bad Company, Foghat, Kiss, Judas Priest, Thin Lizzy e Kreator na mesma fita?”…

Infelizmente, nunca cheguei a ter uma banda de Hard Rock, nem de Thrash Metal, mas embora o Cizania tocasse composições próprias fincadas no Heavy Metal Tradicional, certa vez nos apresentamos no encerramento do festival de música da escola estadual Professor Alberto Levy, localizado na av. Indianópolis, local onde vota o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O festival era outro grande ponto de encontro de amigos da região e onde se juntavam as turmas que andavam com as bandas Centúrias, Vírus e Cérbero. Pois bem, aquela foi a única vez que toquei Ratt na vida, pois nosso set list contava com a música “What You Give Is What You Get”, faixa do álbum “Invasion Of Your Privacy”. Sei que meus amigos Marcelo Macarrão e Leão Marcicano e todo pessoal que andava com eles vibraram durante a execução. Para todos foi uma grande surpresa, porque até hoje não é muito comum uma banda tocar cover do Ratt.

Muitos anos depois, quando já tinha perdido as esperanças de vê-los ao vivo na minha frente, veio a notícia de que o Ratt seria uma das atrações do “Monsters Of Rock” de 2013. Quase “ninguém” lembrou de mim. Seria o retorno do festival e eu iria ver a banda pela primeira vez, trinta anos depois do lançamento do EP “Ratt” (1983). Eu sabia que não era o Ratt original, que Pearcy nunca cantou nada, que Robbin Crosby faz falta, mas…

Afinal, você sabe (ou vai saber um dia): cada um tem o seu “Ratt” na trajetória musical”

Me tranquei no meu mundo e esperei. Na entrevista com o baixista Juan Croucier e o baterista Bobby Blotzer eu tentei ser o mais profissional possível. E fui, mas por dentro estava um turbilhão enorme de emoções. Me fechei no meu mundo e vibrei internamente como nunca. Consegui trocar algumas palavras com Stephen Pearcy e vi várias pessoas que estavam no backstage me olhando. Nunca em um show eu falei com tanta gente que ficou entusiasmada por me ver contente. O fotógrafo da Roadie Crew, Ricardo Ferreira, não conseguia se conter e falou: “Nunca tinha te visto assim, Batalha. Você não demonstra nada, cara. Hoje é o seu dia!” Realmente, a pedra humana profissional teve parcialmente um dia de fã.

Vi todas as atrações que vieram antes com a mesma atenção, mas na hora do Ratt eu fiz questão de ver as primeiras músicas perto dos fotógrafos, lá na frente. Interessante foi ouvir várias pessoas da pista gritando “Aí, Batalha, vai ver Ratt, hein?!”. Aquilo para mim foi como lavar a alma. Claro, fiquei emocionado durante o show inteiro. Edu Falaschi, vocalista do Almah, estava do meu lado vibrando perto da cabine de som. Lá também estava o José Muniz Neto, empresário responsável pela realização do “Monsters Of Rock”. Ao término do show, só pude me virar a ele e dizer: “Muito obrigado, Muniz”.

O “Monsters Of Rock” está chegando e quem sabe você não vai ver alguma banda que o faça sentir o mesmo. Afinal, você sabe (ou vai saber um dia): cada um tem o seu “Ratt” na trajetória musical. E confesso que se não fosse por esta banda talvez eu não teria condições de trabalhar escrevendo sobre música. Por tudo isso, só posso dizer: OBRIGADO, RATT!

(*) Ricardo Batalha é redator-chefe da revista Roadie Crew (roadiecrew.com) e diretor da ASE Assessoria e Consultoria (asepress.com.br).

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(*) Ricardo Batalha é redator-chefe da revista Roadie Crew e diretor da ASE Assessoria e Consultoria.

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