A pandemia deixou todos os dias mais ou menos iguais. Ao menos pra mim.

Levantar, banheiro, café, computador, cerveja. Os dias passam todos meio parecidos.

Mas o sábado, 13 de março, definitivamente foi diferente.

Convidado pra ouvir em primeira mão, o novo disco inteiro do Helloween, o primeiro depois de décadas a contar com a volta do genial Kai Hansen e de um dos melhores vocais da história, Michael Kiske.

E como se ouvir o álbum já não fosse suficiente pra chacoalhar meu sábado de pandemia, que tal um bate-papo de quase 2 horas, na sequência, com esses ícones do Power Metal além do baterista, meu xará, Dani Löble?

As 9:50, a reunião começou e Kai Hansen já chegou conversando com todo mundo, zoando jornalistas alemães sobre o jogo Bremen x Bayern que estava rolando. Super simpático, aliás como foi em todas as vezes que eu o encontrei.

Já havíamos falado com ele pelo Wikimetal no backstage do Rock In Rio em 2013 e no camarim do HSBC Brasil antes do show do Unisonic e ele nunca decepciona. Sempre está de bom humor e sem aquela “áurea de Rock Star”, se comportando muito mais como “gente como a gente”.

Já o baterista Dani é muito engraçado e irreverente, sempre fazendo piadinhas e brincando com uma jornalista inglesa e outros convidados.

A audição do novo disco, auto-intitulado Helloween, estava marcada para às 10 em ponto, porém Michael Kiske estava com problemas técnicos no computador e quando finalmente entrou, depois de um rápido “oi”, o álbum que tem mais de 1 hora de duração começou com a tradicional introdução que todo disco que se preze do Helloween, tem que ter.

O diferente desta vez, é que o riff de guitarra que abre a introdução é tão dissonante que parece anunciar um novo disco do Slayer mais do que do próprio Helloween. Mas logo após essa dissonância, a melodia dos Reis do Power Metal aparece em “Out For The Glory”, uma das músicas deste disco que seguramente será elevada ao patamar de ÉPICO, um lugar aonde clássicos como “I’m Alive”, “Twilight of the Gods” e “March of Time” repousam.

Os mais de 7 minutos da música de abertura, composta por Michael Weikath, são realmente incríveis.

Aliás, todas as músicas foram feitas por apenas 1 compositor, sem parcerias. Depois da audição do disco, perguntei a Kai Hansen se isso aconteceu por conta da pandemia, uma vez que no passado, algumas músicas foram escritas em parceria, como “Metal Invaders” e “Heavy Metal (Is The Law)” compostas pela dupla de guitarristas Hansen e Weikath.

Ele disse que a pandemia não teve nada a ver, uma vez que as músicas foram escritas antes da Covid existir. Na opinião do fundador do Helloween, ele acha que tem a ver com a maturidade e a idade dos integrantes de uma banda.

Andi Deris e Michael Kiske Helloween

“Quando a banda é nova e todo mundo é jovem, todo mundo anda junto e temos todo o tempo do mundo. É muito fácil compor músicas juntos. Hoje em dia, todo mundo tem sua vida, suas famílias, seus compromissos. Não temos o tempo necessário, então é mais fácil cada um trazer a ideia da música meio pronta. Isso não significa que não existam colaborações de outras pessoas nas músicas, apenas isso não aparece nos créditos. Eu contribui pra muitas músicas desse disco e outras pessoas contribuiram na minha música. Só decidimos que não precisamos creditar.”

Mas voltando ao clássico que abre o álbum Helloween, como não poderia deixar de ser, temos um daqueles refrões melodiosos na voz de Michael Kiske que realmente vai emocionar qualquer fã da banda alemã. Vocais lá em cima, que no meio do refrão ainda sobe mais o tom! Kiske na veia!

No meio da música, uns vocais mais gritados que alternam com a voz melódica de Kiske “You’re iron minions, must be deceased!” lembrando a parte do meio do épico de 13 minutos “Halloween” que inclusive abriu a tour Pumpkins United.

Aliás, esse foi outro comentário que fiz no bate-papo com eles após a audição. Eles estavam comentando como é bom tocar ao vivo e sentir a energia do público, ao que eu disse “mas é claro… Vocês abrem o show com a música ‘Halloween’… Só ali, nos primeiros segundos do show, vocês já conquistam a platéia inteira”… E Kai Hansen respondeu:

“E é a música perfeita pra abrir o show e apresentar quem somos… Afinal… Aaaaahhh, It’s Halloween….”

Complementando as referências da música de abertura, temos ainda um solo que faz clara homenagem ao clássico “Guardians”, além de um trecho narrado, tal qual na épica “Halloween”.

Ufa… Isso tudo foi só a 1a. Música, os primeiros 7 minutos! Muito mais por vir.

Mantendo o começo épico e glorioso do novo disco, na sequência temos a primeira das 4 músicas compostas pelo “novo” vocalista do Helloween, Andi Deris.  “Novo” entre aspas porque ele está na banda “só” a 27 anos e muita gente ainda o trata como “o novo vocalista da banda”.

“Fear Of The Fallen” começa com dedilhado e voz em uma parte lenta típica do Helloween, que após 37 segundos, se transforma em uma música pesada e rápida mas que mantém a tradição melódica da banda.

Apesar de escrita por Deris, a música alterna com vocais de Kiske e dele mesmo. Sobre isso, Andi Deris disse ”Eu me diverti muito escrevendo músicas não só para a minha voz mas também para um dos maiores vocalistas que existem.”

Kiske complementou  ”Todo o processo, incluindo o espírito, foi simplesmente perfeito. Se eu tivesse a sensação que alguma das partes não ia encaixar direito, eu pedia ao Andi se ele poderia cantar e vice-versa. Não há competição alguma – o que importava é o que é melhor pra cada parte. E eu estou muito grato de fazer parte (de novo) desta família maluca. Eu amo todos eles.”

A 3a. música do disco foi composta por Sascha Gerstner. Além de ser uma das músicas mais curtas do disco, é sem dúvida a mais comercial que traz um refrão que fica na cabeça, e vai causar o mesmo efeito que as lendárias “I Want Out” ou “Future World” por exemplo, causam: Ficamos cantarolando esse refrão por dias, mesmo tendo ouvido a música, uma única vez. Esse é o trunfo de “Best Time” que conquistará o público em pouco mais dos seus 3 minutos de duração.

“Mass Pollution” é a 2a. música do álbum de Andi Deris e é mais uma música que faz referência a vários momentos do passado do Helloween. A música começa com o baixo de Markus Grosskopf, o único membro que esteve na banda desde o 1o. dia até hoje. E tem a famosa “conversa” entre guitarristas durante os solos que vão se alternando como aquela discussão animada que estamos acostumados a ver nos sons do Helloween.

No bate-papo que se se seguiu após a audição, Kai Hansen falou uma coisa curiosa. Ele disse que é capaz de saber quem é o compositor de cada música, apenas lendo as letras. Ele diz que o Andi está sempre falando o que é o certo e deve ser feito. Daí o grito de Deris na música que diz que apesar de “Everybody tries to shape our minds” (“Todo mundo tenta moldar nossa mente”), essa é a nossa vida e nós não vamos ceder!

“Angels” é a quinta música do disco. Letra e música de Sascha. Com o começo lento com voz de Kiske em cima de um teclado e baixo, essa faixa vai apresentar uma parte épica no meio com um lindíssimo solo, talvez o mais bonito do disco. Os duetos nos vocais também se destacam nessa música que faz o disco manter o pique e a qualidade lá em cima. Os riffs perto do fim são dignos de serem notados também.

Aliás, Kai Hansen nos contou que quando o compositor da música é um guitarrista, ele mesmo grava a base principal da guitarra e escolhe um dos outros 2 guitarristas pra gravar a 2ª base. E os solos também é sempre uma escolha do autor da música que vai decidir quem vai fazer qual.

Com “Rise Without Chains” chegamos ao fim da 1a. metade do álbum. A faixa que tem letra e música de Andi Deris traz um excelente refrão e prepara o clima para a energética “Indestructible”, a única música composta pelo baixista Markus Grosskopf.

Essa faixa, que também traz grandes duelos de guitarra e uma vibe meio Accept, pode ser considerada uma perfeita analogia à própria carreira da banda que após ter passado por inúmeras situações, segue mais viva do que nunca. “Somos indestrutíveis, porque somos Um”.

“Robot King” também tem pouco mais de 7 minutos e é a música que eu achei a mais difícil de digerir logo de cara. A composição de Michael Weikath talvez traga muita informação e precisa ser ouvida várias vezes. Dá a impressão que vai ser uma música matadora ao vivo, com o público cantando a épica parte final junto com os 3 vocalistas que em unisono cantam gritando “RISE UP HIGH!!!” num tom lá em cima! Ansioso pra ver isso ao vivo.

“Cyanide” abre a parte final do disco e completa as contribuições de Andi Deris, com a música mais curta do disco. “This is my life. Hands off” (“Esta é a minha vida. Tire as mãos”) dita novamente o teor das temáticas de Deris que Kai Hansen comentou no bate-papo. É uma faixa com um ótimo refrão que traz vibes meio Gamma Ray.

E com isso, vamos para a arrancada final que vai fazer qualquer fã do Helloween se arrepiar. Os últimos 20 minutos do disco distribuídos entre a lendária “Down In The Dumps” de Michael Weikath e “Skyfall”, a única música composta por Kai Hansen, são de chorar.

Vem comigo pra essa parte final:

“Down In The Dumps” é tão épica que os versos parecem refrões de tão melodiosos e grandiosos. Entretanto, quando a bridge e o refrão chegam, a música incrivelmente cresce ainda mais, o que parece impossível. Épico.

Começa com uma ambientação orquestrada e depois de 20 segundos, um crescendo começa a ser montado. Frase após frase, a música vai escalando até entrar no 1o. verso após 1 minuto e meio. Como já disse, o verso parece um refrão. Mas não é. Aguarde e chore…

“Orbit” é apenas uma introdução instrumental de 1 minuto para nos colocar na “órbita Kai Hansen” e chamar o encerramento do disco com o ponto mais alto do álbum. Os 12 minutos de “Skyfall” que se seguem, sem dúvida alguma podem ser considerados uma obra-prima. Que bom ver Kai Hansen tão inspirado e compondo uma música tão boa.

No bate-papo, Michael Kiske disse que uma outra música do Kai Hansen, que ele achava muito boa, não foi escolhida pra entrar no disco. Fico imaginando…. Quem sabe, sai como um bonus track no futuro ou num próximo disco.

A mesma coisa foi falada de uma balada. Aliás, é isso que faltou! Todas as referências de todas as eras do Helloween, podem ser encontradas neste disco. Menos uma balada. Um “A Tale That Wasn’t Right” ou um “We Got The Right”. E eles disseram que tinham uma balada pronta, mas que na votação que todos os membros fizeram para decidir o tracklist categorizando as músicas em nível A, B ou C, acabou não entrando. Quem sabe no futuro.

Voltando à “Skyfall”, o épico de 12 minutos de Kai Hansen, acho que é a música que mais lembra a era Keeper of the Seven Keys.

A faixa descreve uma nave alienígena caindo na Terra enquanto Kiske, Deris e o próprio Hansen duelam entre si criando uma aventura vocal inesquecível. O vídeo clipe vai sair no começo de abril e promete ser algo grandioso, nas palavras deles, “o melhor clipe que o Helloween já fez na vida”.

Como se não bastasse, a faixa ainda traz um solo de baixo (“Eagle Fly Free” vibes?) além de uma espécie de tributo-homenagem brilhante a David Bowie.

No bate-papo, Kai Hansen contou que gravaram a “Skyfall” umas 100 vezes. “Eu nunca estou satisfeito. Fico mudando coisinhas. Aumentando uma guitarra, incluíndo algum efeito.”

E caindo na gargalhada pra provocar Kiske e o baterista Dani Löble, conclui “Acho que no final, depois de tanto ser mexida, eu preferia como a música era na minha demo” (risadas).

Voltando a falar sério, Kai Hansen conclui: “Não queriamos recriar outro Keeper of the Seven Keys. E eu não queria que a minha música fosse muito Gamma Ray ou que fosse muito.. ahm… eu. Por isso foquei em quem eu era naqueles tempos do Helloween e acho que ‘Skyfall’ reflete isso.”

Perguntado se é o melhor álbum que ele já fez, o sempre sincero guitarrista comentou: “Eu adorei, mas não consigo julgar ainda. Eu sempre sou muito crítico. Eu queria seguir mudando coisas. Eu preciso de mais tempo, mais distância, pra depois voltar a ouvir pra poder avaliar e decidir com mais imparcialidade.”

A música e o novo disco do Helloween terminam com a frase “Somewhere Out In Space” sendo repetidas e abaixando, sumindo… Pra quem é fã de Kai Hansen, isso pode ser considerado o fechamento de um ciclo da vida do Poderoso Chefão do Power Metal, ao mesmo tempo que abre um mar de possibilidade futuras com sua banda original.

Terminado o disco e olhando pra trás com uma visão mais ampla, é muito legal notar tantos elementos das diferentes Eras do Helloween.

Os riffs, as guitarras duelando, os refrôes melodiosos, os climas. E os detalhes e capricho com a produção, tanto do ponto de vista musical com o trabalho excepcional de Charlie Bauerfind como com a própria arte da capa – pintada à mão, old-fashion, como eram por exemplo, os Keepers.

E tudo isso emoldurado com a perfeita combinação e presença dos 3 vocalistas que já emprestaram suas vozes à essa lendária banda.

Todas essas coisas deixam esse álbum muito especial.

O disco se chama simplesmente Helloween, tal qual a 1ª gravação da banda, o EP Helloween de 1985 que abre com “Starlight” e criou um novo estilo. A mensagem aqui é a mais clara de todas:

Este é o renascimento do Helloween.

Como dizia a 1ª frase do release que a gravadora, Nuclear Blast, nos mandou:

Este é o começo de uma nova contagem de tempo:
Esqueçam HELLOWEEN – Aqui começa HELLOWEEN.

A disco já está em pré-venda aqui e o link para ouvir pode ser pré-salvo aqui

Tracking list de Helloween:

01 – Out For The Glory        (Micahel Weikath) – 7:19
02 – Fear Of The Fallen       (Andi Deris) – 5:39
03 – Best Time                       (Sascha Gerstner) – 3:36
04 – Mass Pollution              (Andi Deris) – 4:15
05 – Angels                             (Sascha Gerstner) – 4:42
06 – Rise Without Chains    (Andi Deris) – 4:56
07 – Indestructible               (Markus Grosskopf) – 4:43
08 – Robot King                     (Micahel Weikath) – 7:08
09 – Cyanide                          (Andi Deris) – 3:29
10 – Down In The Dumps   (Micahel Weikath) – 6:01
11 – Orbit                               (Kai Hansen) – 1:05
12 – Skyfall                            (Kai Hansen) – 12:11

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Apaixonado por música, em particular por rock e heavy metal, co-fundou o Wikimetal em 2011. Foi roadie do VIPER desde a fundação da banda até o final da tour do álbum 'Theatre of Fate'. Sempre teve o desejo de ajudar a difundir o heavy metal que foi alvo de tanto preconceito ao longo dos anos. O Wikimetal é uma forma de defender, propagar e perpetuar o metal no Brasil.