Texto por Luis Fernando Ribeiro e Leandro Abrantes
Realizar o capotamento real de um carro para um videoclipe; contar com músicos lendários como Mike Portnoy, James Labrie, Russell Allen, Michael Kiske, Aquiles Priester e Mike Orlando em suas formações, composições, clipes ou shows; convidar um cellista de 13 anos para a gravação de um CD ao vivo; colocar ilusionistas e dançarinas zumbis em pleno palco do Rock in Rio, além de sua própria mãe, Maria Odete, um dos grandes nomes da MPB e heroína confessa de seu filho, para cantar Tears For Fears.
A lista de feitos que acompanha a trajetória de Thiago Bianchi a frente de sua banda Noturnall é interminável e nos apresenta um músico e produtor inquieto e disposto a quebrar alguns paradigmas dentro de um gênero musical onde uma parcela dos fãs se recusa a aceitar as mudanças do estilo, mas outra parcela anseia por novidades.
Em turnê pela Rússia no ano de 2019, ao lado dos americanos do Disturbed, novamente a Norturnall aposta em seu pioneirismo, lançando seu CD e DVD Made in Russia, primeiro registro ao vivo de uma banda brasileira em solo russo, gravado nas passagens pelas cidades de Moscow, St. Petersburg e Yekaterinburg, contando com o apoio de uma grande equipe de profissionais trabalhando nos bastidores para alcançar a qualidade de imagens frenética e de som cristalina aqui apresentadas.
Apresentando-se pela primeira vez com a atual formação, com apenas um ensaio antes da turnê, é notável e indiscutível a experiência dos músicos que se mostram imediatamente entrosados, com absoluto domínio de seus instrumentos, do palco e do público, que respondeu calorosamente a todas as canções e intervenções da banda. Contando em sua formação com o experiente guitarrista Mike Orlando, com sua técnica e velocidade estonteantes, que entre outros, tocou ao lado de Zakk Wylde, participou da formação da banda Adrenaline Mob e ficou entre os dez finalistas do concurso “Guitar Superstar” da revista americana Guitar Player.
Completam o time o habilidoso Henrique Pucci (Project46), um dos principais bateristas em atividade no país, que trouxe sua experiência do hardcore para enriquecer e desburocratizar o som da bateria da Noturnall e o excelente Saulo Castillo (Xakol), que passou de fã e seguidor incansável a integrante da banda, com seu timbre de baixo único e poderoso. Por fim, o já citado frontman e líder da banda, Thiago Bianchi, responsável tanto pelos vocais – indo com absoluta naturalidade dos agudos altíssimos aos urros guturais, mostrando-se um dos principais vocalistas brasileiros de sua geração – quanto por tomar a frente de toda a excelente produção do material.
As constantes mudanças de formação pelas quais a Noturnall passou, poderiam ter rabiscado sua história com traços irreconhecíveis de cada integrante distinto que passou pela banda, mas Thiago Bianchi soube absorver as características de cada músico e sempre comandou seu time de maneira que pudesse enriquecer seu som com toda essa experiência. Fugindo ao padrão da maioria das bandas brasileiras, que tomam Sepultura e Angra como uma espécie de farol que dita seu comportamento e sua sonoridade, a Noturnall soube trilhar seu próprio caminho através de um estilo muito próprio, tornando-se referência naquilo que faz e não apenas mais uma banda revirando as sobras de uma fórmula que já foi explorada à exaustão por seus geniais precursores.
Apesar de contar com apenas seis músicas, em Made in Russia há tempo o suficiente para a banda esbanjar toda sua energia visceral no palco e desbravar toda sua discografia, tocando ao menos uma música de cada disco, além de apresentar algumas novidades.
Após uma breve introdução, a banda toda sobe ao palco ao som da faixa de abertura de seu primeiro disco, “No Turn At All”, conduzida pela bateria estrondosa de Henrique Pucci, pelos riffs cavalares de Mike Orlando e o baixo rosnante de Saulo Castilho. Thiago Bianchi sobe ao palco fazendo o público pulsar e explorando diversas nuances de sua extensão vocal, esbanjando entrega e experiência, mostrando-se completamente à vontade diante de um público grande e inédito.
A aguardada “Scream! For!! Me!!!” vem logo de cara para reação e reconhecimento instantâneo da plateia, que agita muito e canta seu refrão ao brados, fazendo dessa a música mais popular do show e provavelmente da carreira banda, muito em função do já citado videoclipe com direito a capotamento de um carro e duelo entre os bateristas Henrique Pucci e Mike Portnoy. É quase impossível acompanhar o que fazem as mãos de Mike, tamanha a velocidade de suas notas e palhetadas, mas a cozinha de Henrique e Saulo não deixa a agressividade e o peso baixarem mesmo quando o guitarrista está solando, fazendo deste um dos grandes momentos do show.
A inusitada mistura do rap dos Racionais MC’s com o peso da Noturnall em “Fight the System”, mostram-se uma escolha ousada tanto em estúdio quanto diante de uma platéia que não entende nenhuma palavra em português, mas ainda assim tem sua mensagem transmitida através de uma sonoridade e interpretação poderosa dos músicos, com seu belo e melodioso refrão, mantendo a energia da apresentação nas alturas.
Não há tempo para respirar, o setlist é curto e a vibração do público não pode esfriar. “Wake Up!” surge avassaladora cumprindo bem esse papel, indo de uma fúria psicótica à uma melodia absolutamente linda, com os músicos desfilando toda sua habilidade e interagindo com o público o tempo todo, obtendo uma resposta calorosa, para plena satisfação da banda, que se diverte em cima do palco, esbanjando carisma e experiência. A participação mais que especial da graciosa pole dancer Larissa Miotto, trás um clima ao mesmo tempo angelical e diabólico ao palco, mostrando mais uma vez que a banda não tem medo de inovar.
A novíssima “Cosmic Redemption” vai de momentos absolutamente melódicos e virtuosos à outros mais diretos e empolgantes, mostrando a versatilidade da banda e a confiança de Thiago ao reger seu público que grita e ergue os braços ao seu comando, arriscando até algumas palavras em russo. A música que deve levar o nome do próximo álbum da banda cria grandes expectativas sobre o direcionamento que a Noturnall irá tomar e quando nos brindará com esse lançamento, além de agraciar os fãs de longa data com uma sonoridade que remete aos discos que Thiago Bianchi esteve a frente do Shaman.
A já clássica “Nocturnal Human Side”, do primeiro disco, encerra o show de maneira apoteótica, carregada de um claro prazer da banda em estar se apresentando tão longe de casa e para um público tão receptivo. Thiago Bianchi, munido de um smartphone, transmite essa profusão de sentimentos ao vivo direto para as redes sociais da banda, deixando registrada para posteridade toda a energia de uma banda honesta, madura e pronta para seguir galgando degraus rumo ao alto escalão do heavy metal mundial.