O Nirvana conquistou o mercado musical no início dos anos 1990 quando lançou Nevermind (1991), que vendeu mais de trinta milhões de cópias ao redor do mundo. O disco seguinte, o terceiro e último, foi o curioso e abrasivo In Utero. Contradizendo o som mais polido de Nevermind, como Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl o classificavam, In Utero trouxe assuntos mais pessoais – e dolorosos – da vida pessoal de Cobain, que vivia em dores física e mental e não aceitava o sucesso da banda.

O músico, que buscava apenas ter uma banda e fazer música, logo se tornou um dos maiores ícones da época e era entrevistado pelos maiores veículos do momento. A fama era algo que Kurt nunca cobiçou e quando conquistou, rejeitou. Enquanto era considerado este músico quase heroico, ele sofria com sérias dores no estômago, vício em drogas e um casamento de altos e baixos com Courtney Love. Tudo isso serviu de insumo para a criação do último álbum da banda.

In Utero

Lançado em setembro de 1993, In Utero foi produzido por Steve Albini, que ajudou a banda a encontrar o som mais abrasivo que buscavam e a trabalharem no álbum em tempo recorde de seis dias, algo quase impossível para o grupo.

A banda não queria trabalhar novamente com Butch Vig, produtor de Nevermind, justamente para buscar um som diferente. Seu substituto, eles acreditavam, precisava ser Jack Endino — que gravou Bleach (1989), estreia do Nirvana — ou Albini.

Após algumas ligações durante as quais Cobain descreveu seus planos para In Utero, Albini lhe escreveu uma carta na qual estabeleceu os termos para aceitar o trabalho. “Só quero trabalhar em discos que legitimamente refletem a própria percepção da banda de sua música e existência. Se vocês se comprometerem a ter isso como alicerce da metodologia de gravação, então vou trabalhar muito por vocês.”

Em entrevista ao Music Radar, Albini contou sobre o plano apresentado pelo grupo: “Em In Utero eles queriam fazer um disco intencionalmente mais primitivo, e por ‘primitivo’ não quero dizer rudimentar, quero dizer um disco no qual o som da banda estava sem verniz algum.”

Temas de In Utero

Cobain declarou em uma entrevista de 1993 com a The Observer que “a maior parte [de In Utero] é muito impessoal”. Porém, amigos e colegas do músico argumentam que este foi sim um álbum pessoal para ele. “Rape Me”, por exemplo, expressa sua indignação perante a mídia e seu comportamento.

“Serve the Servants” contém comentários sobre a vida de Cobain, tanto como uma criança e como adulto. As linhas de abertura “Teenage angst has paid off well/Now I’m bored and old” (“Angústia adolescente pagou muito bem/Agora estou entediado e velho”) foram uma referência ao estado de espírito de Cobain no auge do sucesso do Nirvana. Cobain despertou o interesse da mídia sobre os efeitos que o divórcio de seus pais teve em sua vida com o refrão “That legendary divorce is such a bore” (“O lendário divórcio é tão chato”).

Nirvana e In Utero no Brasil

Durante uma folga entre os shows no festival Hollywood Rock, no Brasil em janeiro de 1993, a banda tocou em São Paulo e no Rio de Janeiro e aproveitou para gravar algumas demos de In Utero. Estas demos, mais tarde, foram levadas para o remoto Pachyderm Studio em Cannon Falls, Minnesota, para gravar o álbum.

Ainda no Brasil, algumas dessas demos ganharam vida pela primeira vez no palco durante o show na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro. Em 23 de janeiro de 1993, o Nirvana tocou pela primeira vez ao vivo duas canções de In Utero: “Heart- Shaped Box” e “Scentless Apprentice”.

Gravação do In Utero

A banda gravou In Utero em seis dias. Cobain tinha originalmente antecipado desentendimentos com Albini, de quem o vocalista ouviu que “supostamente era esse idiota sexista”, mas chamou o processo de “a gravação mais fácil que já fizemos”.

O processo de mixagem do álbum foi finalizado em cinco dias. Essa frequência era rápida para os padrões do Nirvana, mas não para Albini, que estava acostumado a mixar álbuns inteiros em um ou dois dias.

Insatisfação com a gravação

Apesar do trabalho feito em conjunto, o grupo não estava totalmente satisfeito com o som que Albini tinha capturado e pediu para o produtor mexer em algumas faixas. Ele, porém, não aceitou.

Em uma entrevista, Kurt Cobain falou: “A primeira vez que toquei o álbum em casa, eu sabia que tinha algo errado. Durante toda a primeira semana, eu não estava realmente interessado em ouvi-lo – e isso geralmente não acontece. Não sentia emoção com aquilo, estava apático.”

A banda foi atrás de Scott Litt para fazer pequenas alterações no som do álbum e no remix dos singles “Heart-Shaped Box” e “All Apologies”. 

Nome do álbum e capa

Inicialmente o nome do álbum seria I Hate Myself and I Want to Die (Eu me odeio e quero morrer, em tradução livre), uma frase que Kurt escreveu em seu diário em meados de 1992. Esta frase era usada pelo músico sempre que alguém o perguntava como estava. Cobain disse que o título era pra ser uma brincadeira com a situação, porém Novoselic convenceu o vocalista de que não seria um bom título.

Em uma entrevista à Rolling Stone em 1994 ele disse: “Eu sou visto como esse esquizofrênico, reclamão, lamuriento, estranho, que quer se matar o tempo inteiro. E achei que era um título engraçado. Mas eu sabia que a maioria das pessoas não entenderia.”

A banda então decidiu em In Utero, termo tirado de um poema escrito por Courtney Love.

Além do chocante nome, o Nirvana preparou uma capa tão chocante quanto para o álbum. A maioria das ideias para a arte do álbum e dos singles vieram de Kurt e foram desenhadas por Robert Fisher.

Fisher lembrou que “[Cobain] só me daria algumas orientações e conclusões e falava: ‘Faça alguma coisa com isso.'” A capa do álbum é uma imagem de uma manequim transparente anatômica, com asas de anjo sobrepostas. Cobain criou a colagem na capa traseira, que ele descreveu como “Sexo e mulher e In Utero e vaginas e nascimento e morte”, que consiste em modelos de fetos e partes do corpo deitadas em uma cama de orquídeas e lírios.

Kurt sempre foi fascinado por anatomia. “Acho que secretamente sempre quis ser médico ou algo assim”, disse ele em uma entrevista em 1993. “Sempre gostei de anatomia… E desde que me tornei uma grande estrela do rock e ganhei muito dinheiro, encontrei este lugar no Mall of America em Minneapolis que não vende nada além de produtos médicos.” Ele se lembra de ter vasculhado frequentemente a loja em busca de prontuários médicos e figuras anatômicas semelhantes às encontradas na capa de In Utero. “Foi como um sonho que se tornou realidade”, disse ele.

Recepção do álbum na mídia

Após o lançamento, o álbum entrou no 1º lugar da parada Billboard 200 e recebeu elogios da crítica como uma drástica mudança de Nevermind. O álbum foi certificado cinco vezes platina pela Recording Industry Association of America (RIAA), vendendo mais de 15 milhões de cópias pelo mundo e aproximadamente mais de cinco milhões de unidades só nos Estados Unidos.

O álbum apareceu ainda em 1993 como o 74º álbum do ano na parada Billboard 200, mas voltou a ganhar popularidade após a morte de Kurt Cobain e foi o 33º álbum na parada 200 de final de ano da Billboard em 1994.

Apesar de não ter vendido o tanto que Nevermind vendeu, In Utero foi um grande sucesso comercial. Ele é, até hoje, considerado um dos álbuns mais corajosos feitos por uma banda mainstream no rock.

Fim do Nirvana

Infelizmente, a turnê do disco foi marcada por mais uma recaída de Kurt. Após uma overdose no dia 4 de março de 1994, durante uma turnê na Europa, ele começou a se isolar cada vez mais.

Quando voltou aos Estados Unidos, o músico entrou em uma clínica de reabilitação, mas acabou fugindo. Após mais de uma semana sendo procurado por Courtney, empresários, integrantes e amigos, Kurt foi encontrado morto na estufa de sua casa em Seattle, vítima de suicídio.

30 anos de In Utero

Em 2023, o álbum está completando 30 anos de lançamento e para celebrar o marco, será lançada uma edição especial.

A novidade contará com 53 faixas inéditas entre elas gravações ao vivo jamais divulgadas antes, além de versões remasterizadas dos clássicos do álbum. A edição comemorativa terá o show completo do Nirvana Live in Los Angeles, gravado em 1993, e a apresentação final da banda em Seattle, no ano seguinte.

O produtor e engenheiro de Seattle, Jack Endino – que trabalhou no álbum de estreia da banda em 1988, Bleach – reconstruiu as faixas ao vivo a partir de fitas de mesa de som estéreo para a reedição deste ano.

Além disso, as 12 músicas originais de In Utero, junto com cinco faixas bônus e lados B, foram recentemente remasterizadas a partir das fitas estéreo master analógicas originais por Bob Weston do Chicago Mastering Services – que ajudou Albini como o único outro engenheiro nas sessões originais.

A nova edição chegará no dia 27 de outubro em diversos formatos, incluindo uma edição limitada de 8 LPs Super Deluxe Box Sex, um 5 CDs Super Deluxe Box Set, LP + 10″ edition, a 2CD Deluxe Edition e Digital Super Deluxe Edition.

Pre-save e pré-venda do Nirvana 30th Anniversary In Utero já estão disponíveis neste link.

https://x.com/Nirvana/status/1699032251210887238?s=20
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Jornalista musical há 8 anos, é editora do Wikimetal, onde une suas duas grandes paixões: música e escrita. Acredita que a música pesada merece estar em todos os lugares e busca tornar isso realidade. Slipknot, Evanescence e Bring Me The Horizon não podem faltar na sua playlist.