A história do Metallica já é bem conhecida pelo público. A banda surgiu ainda no começo dos anos 1980 fundada pelo guitarrista e vocalista James Hetfield e o baterista Lars Ulrich. Após uma considerável mudança de formações, tendo até Dave Mustaine (Megadeth) em seu primeiro lineup, a banda se consolida com a entrada de Kirk Hammett (ex-Exodus) na guitarra e o saudoso Cliff Burton (ex-Trauma) no baixo.
Em 1983, com a demissão de Mustaine ainda recente (e repletos de composições deixadas pelo mesmo), a banda lança seu primeiro e aclamado disco Kill ‘Em All, um disco ainda cru, que mostra logo de primeira uma boa parte do potencial do jovem grupo para a cena pesada americana, trazendo muitas referências à Iron Maiden e Diamond Head.
No ano seguinte, o grupo lança seu segundo (e muito aclamado) trabalho Ride The Lightning, primeiro a contar com a produção de Flemming Rasmussen, um disco violento, muito mais pesado que o anterior, trazendo muitas doses de Motörhead e Venom em seu som rápido, bruto e muito bem trabalhado.
Ao longo da turnê de divulgação do disco, algumas músicas novas começaram a ser trabalhadas (algumas já sendo executadas ao vivo, como “Disposable Heroes”) para, em 1986, o grupo lançar aquele que seria o responsável por catapultar o Metallica ao grande público.
Master Of Puppets também conta com a produção de Flemming e traz um disco praticamente irmão de seu antecessor, com a abertura acústica e melódica que deságua em uma explosão de riffs violentos e rápidos (“Fight Fire With Fire” e “Battery”), seguido de sua brilhante faixa título, uma terceira faixa cadenciada e construída completamente em cima de sua linha de baixo (“From Whom The Bell Tolls” e “The Thing That Should Not Be”) ou até mesmo sua complexa e, arrisco dizer, quase progressiva faixa instrumental (“The Call Of Ktulu” e “Orion”).
O disco foi um sucesso, a banda alcança patamares muito além do que estavam acostumados e chegaram a fazer uma fatídica turnê europeia, abrindo para o icônico Madman Ozzy Osbourne. Eu digo fatídica pois fora nesta turnê, especificamente na Suécia, que um acidente envolvendo o ônibus da banda, graças a uma estrada congelada, viria a ceifar a vida do icônico Cliff Burton, que faleceu instantaneamente quando ele fora arremessado para fora da janela e o ônibus caiu sob seu corpo.
A banda não teve tempo para se recuperar desse trauma (que quase levou ao fim do grupo) e poucos meses (e uma série de audições) depois, voltaram para a estrada com seu novo baixista, o jovem fã da banda Jason Newsted. O resto é história.
Voltando ao Master Of Puppets, o disco é com certeza um dos mais aclamados da discografia do grupo. Seus 54 minutos mostram toda a pressão e capacidade que aquele lineup poderia oferecer, equilibrando perfeitamente a raiva e velocidade das influências de Lars e James com a maestria e melodias das referências de Cliff, que iam de Thin Lizzy e ZZ Top a grandes compositores clássicos.
A faixa de abertura, a visceral “Battery”, vem nos mesmos moldes da abertura do disco anterior “Fight Fire With Fire”. Um início acústico e melódico que vai se tornando cada vez mais intenso, até chegar ao riff brutal de James que dá início a uma das faixas mais pesadas e rápidas (se não for a mais pesada) da sua carreira.
A faixa título, grande responsável pela renovação do público do grupo após aparecer na série da Netflix Stranger Things nas mãos do personagem Eddie Munson, traz uma composição muito mais complexa que grande parte de seu catálogo até então (feito que seria repetido ao longo do disco) e repleta de camadas e passagens instrumentais que levam o ouvinte a uma viagem de melodia e peso.
Em seguida, o poderoso riff de baixo de Cliff anuncia “The Thing That Should Not Be”, faixa novamente inspirada no autor americano H.P. Lovecraft (como “The Call Of Ktulu” no disco anterior) e que transita entre um riff forte e cadenciado e um verso etéreo, todo em cima da forte linha de baixo.
“Welcome Home (Sanitarium)” respeita a teoria da conexão do disco com seu antecessor e, aos moldes de “Fade To Black”, traz uma “quase balada” cujo refrão traz uma forte dose de intensidade que prepara para o final rápido guiado pelo veloz solo de Kirk.
Logo depois, vem “Disposable Heroes”, talvez uma das faixas mais velozes do disco (e, novamente, da banda), trazendo uma forte denúncia quanto as guerras que assolam o mundo (na época, estava forte o assunto da guerra fria e as sequelas do Vietnã ainda não se curaram totalmente – se é que um dia irão) e como os soldados são tratados como meros corpos a serem descartados para sanar conflitos de líderes mundiais.
Próximo do fim do disco, depois de um show de violência e beleza, o ouvinte é agraciado com “Orion”, faixa favorita de Cliff (que fora tocada em seu funeral). Uma música instrumental que mostra toda a capacidade do saudoso baixista como compositor.
Alguns até dizem ser uma música progressiva, dado a sua técnica de composição, nuances melódicas e diversos climas que se intercalam entre momentos pesados e cadenciados e momentos muito melódicos, calmos e etéreos, com destaque para as guitarras dobradas claramente trazidas das mais clássicas do Thin Lizzy (uma das favoritas de Cliff), Wishbone Ash e Iron Maiden (principal responsável por trazer Lars para o mundo da música).
O encerramento com “Damage, inc.” faz jus ao nome. Realmente o disco foi uma palestra sobre destruição, um canhão sonoro que encerra o album com muita maestria e bota um ponto final na primeira (e muito aclamada) fase do grupo.
Certamente não é exagero algum dizer que Master Of Puppets é um dos maiores discos não apenas do Metallica ou do metal, mas do rock como um todo e, por que não, da música. Um disco que foi capaz de trazer para o grande público a sonoridade do heavy metal e thrash metal de forma acessível, mesmo que repleta de ódio e velocidade.
Isso graças a suas nuances melódicas muito bem equilibradas, sua produção cristalina e músicas realmente marcantes, que claramente foram pensadas para ser algo além de uma mera demonstração de raiva juvenil e trouxeram toda a maturidade que os anos de turnê e gravações proporcionaram ao grupo.
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