No começo da pandemia, em março de 2020, o isolamento social causou aumento vertiginoso de acessos em sites pornográficos. O que deveria ser um momento de crescimento exponencial para os executivos dessa indústria se tornou uma crise, graças ao fortalecimento do movimento antipornografia ao redor do mundo. Nesse mesmo período, nascia a banda londrina Femegades, que agora dá um hino para essa causa com o EP Pornsick.
A ideia para criar a banda surgiu da parceria musical já existente entre Kat (baixo) e Tom (guitarra). A dupla tinha uma visão em comum: criar música para levantar o debate sobre questões sociopolíticas cruciais, algo que se tornou possível ao conhecerem Em (vocalista) e Simone (bateria). Com influências de punk, grunge e indie da década de 1990, o grupo traz letras diretas e com análises profundas sobre as vivências das mulheres atualmente, desde consentimento até a violência masculina.
O EP Pornsick, trabalho de estreia do Femegades, foi lançado em 22 de setembro e aborda diferentes assuntos de cunho feminista ao longo das cinco faixas – mesmo que a banda não se defina dessa maneira.
Na faixa-título, são abordadas as recentes denúncias realizadas contra grandes empresas do ramo da pornografia, acusadas de não remover vídeos de abusos sexuais reais dos sites e não possuírem ferramentas de verificação de idade dos participantes que realmente impeçam a publicação de conteúdo criminoso nas plataformas, conforme descrito pela petição Traffickinghub, que já arrecadou mais de 2 milhões e 300 mil assinaturas pelo fechamento do Pornhub e responsabilização dos executivos por trás de um dos maiores sites de pornografia do mundo. De acordo com a BBC, pesquisadores apontam ainda que o conteúdo pornográfico estimula o sexismo.
Em entrevista ao Wikimetal, a banda explicou o processo criativo, inspirações e o objetivo ao falar de assuntos muito delicados e ignorados até mesmo por parte dos movimentos que deveriam defendê-los.
WM: O objetivo da banda é falar sobre causas que consideram importantes. Vocês compartilham as mesmas visões políticas?
Em: Não tenho certeza se há uma visão política coletiva [na banda]. E eu não acho que necessariamente deveria ter. Cada tópico pode ser apresentado no próprio mérito. É sobre levar os dois lados, direita e esquerda, em consideração.
Kat: Eu sei que Tom e eu pensamos de forma diferente, por exemplo, mas também temos intersecções em alguns temas. No entanto, alguns tópicos simplesmente são muito fáceis de decidir!
WM: E o nome da banda, é inspirado na palavra “renegado”?
Tom: Acho que o nome foi ideia minha, na verdade! Lembro que estávamos tentando pensar em algo, algo que se vinculava à mensagem, e não chegamos a lugar nenhum. Tinha o álbum ‘Renegades of Funk’ na minha cabeça e pensei, ‘E se formos Femegades of Punk?’. E Kat disse: apenas ‘Femegades’. É provavelmente a primeira banda em que estive e não fico envergonhado com o nome!
WM: Quais são suas principais influências e ídolos na música?
Simone: Acho que todos nós crescemos ouvindo punk rock e skate punk dos anos 1990. Não tenho ídolos, mas realmente admiro Antonio Sanchez como baterista.
Em: Eu sou uma mistura: Ramones, The Donnas, AFI, Smashing Pumpkins, Phoenix e mais.
Kay: Courtney Love.
Tom: AFI e Ramones, sim! Courtney Love, não! O que falamos mesmo sobre discordar?! Kathleen Hanna, Stevie Nicks, Nirvana com certeza.
WM: É correto dizer que Femegades é uma banda feminista?
Em: Acho que Femegades é uma banda que fala sobre coisas que estão acontecendo no mundo e que precisam ser escutadas, seja feminismo ou qualquer outra. Pode ser o fato de que, no momento, a maioria dos tópicos está relacionada aos direitos das mulheres e feminismo, mas sempre esperamos poder entregar música que apenas tenha um impacto nas pessoas.
WM: Como é o processo criativo para vocês?
Tom: Começa com a música. Quando estamos prontos para os vocais, muitas vezes a primeira versão será apenas um modelo para então aplicar um tema por cima. Temos algumas ideias de temas, pode ser apenas uma frase ou algo que escaneie bem [o assunto], que vai despertar aquela música e a conexão ao tema.
WM: A capa do EP tem a paleta de cores parecida com o logo do Pornhub. Qual foi a ideia por trás disso e por quê esse tema é tão importante para o projeto?
Em: É apenas uma coincidência que, na época em que escrevemos “Pornsick”, eles deletaram cerca de 8 milhões de vídeos porque não tinham ideia se as pessoas neles tinham consentido ou se tinham mais de 18 anos.
Tom: Fomos banidos de fazer anúncios em todas as redes sociais em algum momento por causa da arte. Então certamente estamos fazendo algo certo!
WM: “Leash” é uma ótima música sobre violência masculina e feminicídio, eu adorei a referência de “Only Women Bleed”, de Alice Cooper. Você acha que rock e punk falam o suficiente sobre esses temas?
Em: Obrigada! Sempre há espaço para falar mais sobre isso. É importante usar sua voz para mandar mensagens positivas por aí.
Simone: Acho que punk rock e punk no geral sempre apoiou a ideia de igualdade, direitos humanos e liberdade de expressão. Desde Satanic Surfers até Fugazi, a humanidade e a psicologia da alma se tornaram mais compreensíveis.
Tom: Acho que a música de hoje está dentro de uma bolha. Então se torna ainda mais importante desafiar o status quo agora e não apenas escrever sobre o que você sabe que será bem recebido. “Only Women Bleed” foi lançada em 1975. A parte frustrante é pensar o quanto realmente mudou desde então?
WM: Como Femegades planeja derrubar o sexismo, começando com “Pornsick”?
Kat: É importante que as bandas usem a plataforma que possuem para falar sobre esses problemas e finalizar o ciclo ao fazer algo sobre isso. Reunir as pessoas pela música, manter a discussão, fazer as pessoas pensarem. Existem também muitas instituições de caridade e organizações excelentes ajudando as pessoas, acho que nosso trabalho é tentar fazer com que essas mensagens e temas cheguem às pessoas que ainda não pensam neles.
Em: Sim, estamos apenas fazendo as perguntas. Se podemos escrever uma música que soa ótima e alguém está ouvindo, é uma boa chance de ter letras que realmente atinjam o alvo. Talvez seja assim que a mudança aconteça. Uma pessoa, uma pergunta de cada vez.
WM: O futuro do rock e do punk é feminino?
Kat: É qualquer coisa que você quer que seja!
Simone: Acho que o futuro é preservar esse delicado equilíbrio de trabalho colaborativo.
Em: Sim. [risos] Estamos animadas para ver como isso se desenvolve.