Existem bandas que a dimensão da verdadeira profundidade e importância se faz entender apenas no ao vivo. E para um número considerável de pessoas, esse certamente foi o caso do show lotado do L7 em São Paulo na última sexta-feira, 19.
Reconhecida referência do punk e grunge na cena de Los Angeles, a banda foi formada por Donita Sparks e Suzi Gardner em 1985. Com o som político, feminista e sujo, o grupo (que mais tarde recebeu Jennifer Finch e Dee Plakas na formação) influenciou bandas como Nirvana e foi destaque nos principais festivais de música dos anos 1990. Mas conhecer as músicas e a biografia do fenômeno não é capaz de traduzir o poder desse quarteto no palco.
Antes do show do L7, a noite foi marcada por alguns atrasos, desde a abertura dos portões até o início dos shows em si. As bandas nacionais de aberturas escolhidas para o evento foram grandes acertos: primeiro, a banda punk paulista Cólera fez uma performance enérgica, com groove e letras marcantes, que reverberaram com o público, apesar da baixa lotação da casa naquele horário, Um pouco mais tarde, foi a vez de As Mercenárias mostrarem o som rápido e questionador em um esquenta perfeito para as donas da noite.
A apresentação começou com 30 minutos de atraso, mas o público não pareceu se importar com esse pequeno imprevisto. As artistas entraram em cena com “Deathwish” e toda a energia despojada de quem não faz firulas para parecer maior, algo tão comum no rock pomposo feito por homens e ao qual o som delas sempre se apôs. Ainda ajustando o microfone, Donita logo agradeceu a presença do público antes de emendar com a celebrada “Andres”.
Em uma série de stage dives por parte dos fãs, a animação da plateia predominantemente feminina revelou na prática a importância da representatividade e das narrativas de mulheres no rock, punk, grunge e além, mas também mostrou como o profissionalismo e qualidade musical são capazes de conquistar qualquer amante de guitarras ferozes e batidas rápidas.
Vendo o entrosamento do headbang de Donita e Jennifer, em um lindo contraste de mechas loiras e magenta cortando o ar, fica difícil acreditar que essa banda passou por um longo hiato de 14 anos a partir de 2000. Seja na simpatia de Suzi, a constância de Dee, a presença imponente de Donita ou a sensualidade de Jenn, o resultado é uma performance hipnótica, com refrões perfeitos para o ao vivo e muita autenticidade, justificando os muitos coros de “L7, L7, L7”, sempre muito bem recebidos no palco.
A plateia foi questionada sobre quantas pessoas ali estavam no primeiro show do L7 na vida e o número de mãos levantadas foi majoritário, mas não por falta de devoção dos presentes, muitos devidamente uniformizados com camisetas do grupo. A banda só esteve no Brasil em outras duas ocasiões: primeiro, em 1993, quando se apresentaram no icônico festival Hollywood Rock, e depois em 2018. Por isso não é exagero imaginar que o show foi a experiência capaz de selar a magnitude do trabalho do L7 na mente da maioria dos presentes, pois essa é uma noção prática que nenhuma teoria é capaz de mostrar.
No longo setlist, a banda passeou por toda a carreira e incluiu “Wargasm” como um comentário no cenário político do mundo agora, com direito a um “foda-se o Donald Trump” ao final, em referência às ambições de reeleição por parte do milionário. Se podemos dizer que faltou algo no show impecável, certamente foi algum comentário político sobre o Brasil de forma mais específica.
Depois de uma sequência poderosa com “Pretend We’re Dead”, “Dispatch From Mar-a-Lago” e “Shitlist”, as artistas saíram do palco e todo o intervalo até o encore foi preenchido por palmas e gritos. De fato, Donita estava certa ao dizer que o público de São Paulo estava “as deixando cansadas” pelo ritmo, mas também acertou ao dizer que trabalhariam para corresponder e não decepcionar os fãs.
A noite terminou com “Fast and Frightening” e a certeza de ter presenciado uma aula e um dos melhores shows do ano, mesmo com uma agenda internacional tão cheia no Brasil em 2023. É como diz a música escolhida para fechar a noite: “ela tem tanto clitóris que não precisa de culhões”. E as artistas do L7 são assim.
Confira fotos exclusivas de Leca Suzuki logo abaixo.
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