PORTO ALEGRE, 26 de abril, terça-feira. O objetivo daquele dia era um só: ver o show do KISS, que desde a pandemia vem tentando realizar sua turnê de despedida. O giro brasileiro é longo e inicia no sul, trazendo o bastante para lavar a alma de gerações de fiéis que acompanham os quatro mascarados desde os primórdios da kissmania.
Em sua terceira visita à capital gaúcha – que como todo lugar se vê em pleno transtorno pós-pandêmico e sedento por eventos catárticos – , o KISS estava marcado para às 9 da noite. Para antes da festa dos mascarados, uma ótima abertura: Hit the Noise pareceu inofensiva no imenso palco na Arena do Grêmio, mas trazia na bagagem um som de peso, com influências de hard rock e algum metal. Direta e com ótimo vocal, a banda entrega muito ao vivo, e cheio de pegada e ótimos riffs, o repertório do quarteto funcionou perfeitamente.
Após o show, os últimos ajustes: som, iluminação, cerveja e banheiro, tudo para o aguardado momento. A despedida viria, e ela começou a rolar com o velho checklist pré-show: “Rock and Roll” do Led Zeppelin nos falantes, a voz que os anuncia, o público na expectativa! Como se fosse surpresa, o pano cai e lá vem Gene Simmons, Paul Stanley, Eric Singer e Tommy Thayer, a última e mais duradoura das muitas encarnações do KISS, com o riff de “Detroit Rock City” em punho, descendo por uma plataforma super alta, pousando no palco da Arena para um show de fogos, explosões, levitações e outros bichos. A banda emendou “Shout it Out Loud”, e dali pra frente foi flashback.
“Animais selvagens, deixe-me ouvi-los”, brada o frontman Paul Stanley, ouvindo a recepção calorosa dos gaúchos. Enquanto a banda alinhava uma fileira de clássicos, os fãs puderam apreciar, num misto de gratidão e nostalgia, a oportunidade de vê-los uma vez mais antes de atirarem a toalha. “Deuce”, “War Machine”, “I Love it Loud”, “Say Yeah” – diferentes músicas, diferentes décadas, lado a lado em um hinário anacrônico, repleto de clássicos, memórias e espírito roqueiro.
Da mesma forma, também o público espalhado pelos setores da Arena trazia gente de várias faixas etárias, todas fisgadas pelos refrãos icônicos e pelos recursos audiovisuais hipnóticos. Não tinha como não olhar admirado para a banda que seduzia adultos e crianças, com seu modus operandi caótico, exacerbado, grandioso: os reis do glam levam encantamento até ao mais cético dos blasés.
Além de um setlist que parece desafiar o destemido Starchild a agudos extensos e cheios de técnica (com destaque para as oitentistas “Lick It Up”, “Heaven’s On Fire” e “Tears Are Falling”), também o repertório de habilidades demoníacas estava lá. Vendo Gene Simmons cuspir fogo, elevar-se ao proscênio suspenso por cabos, ou vomitar sangue e detonar “God of Thunder” lá do alto, não tem como não se impressionar: foram muitos discos, além da reinvenção do espetáculo audiovisual, o sucesso no mundo, e os caras seguem simplesmente em forma. Para ajudar, o show é repleto de sacadas tecnológicas, jogos de luzes, telões multicâmera, tudo para forjar uma experiência realmente imersiva para os expectadores.
Encerrando o show com uma sequência de hinos, os fãs ainda tem tempo de contemplar a audaciosa tirolesa de Paul Stanley, que viaja até o fim da plateia e transforma os últimos em primeiros. Até nisso os caras acertam: do outro lado do gramado, Paul faz quem está mais distante se sentir nas primeiras filas. Dividida em dois lugares diferentes, a banda segue como trio no palco para “Love Gun” e “I Was Made for Loving You”, com um imenso globo de discoteca no telão que transforma a Arena numa festa sem precedentes, enquanto o Paul comanda a platéia do fundo da Arena. O cantor e guitarrista retorna ao palco principal em mais um sobrevoo, e os fãs já sabem: é hora de dar tchau.
A voz e a presença de Eric Singer ganham os presente em “Black Diamond” e “Beth”, a qual ele toca num piano, agregando ainda mais ao espetáculo. Já Tommy Thayer entregou solos repletos de paixão e intimidade com as 6 cordas, sempre fiéis. Tire-se o chapéu para a técnica de palco e PAs, que trouxe um som impecável para o evento.
Para o fim, a banda traz “Do You Love Me?”, mas a pergunta é retórica. Balões infláveis agitam a plateia, e a canção, com seu final apoteótico, emenda numa grande chuva de papeizinhos, labaredas, fumaceira e estouros assustadores, e o hino do rock transborda nos falantes: “Rock and Roll all Night” coroa a noite, trazendo enfim o fechamento de um show realmente antológico.
Agraciados por uma agenda tão generosa, os gaúchos tiveram uma noite para se guardar na memória, junto de tantas outras embaladas pelo som e por lendas em torno deste quarteto extraordinário, responsável por desviar o caminho de tantas pessoas há tantas décadas. Hoje vemos essa banda finalmente encaminhando-se para uma aposentadoria merecida, mas uma coisa é fato – a história dos quatro roqueiros maquiados nunca irá deixar de ser contada. Quem viu, viu.
Veja abaixo fotos exclusivas do show tiradas pela nossa colaboradora Alessandra Felizari.