Há cinco anos, o Slayer fazia sua última apresentação e encerraria suas atividades. A banda foi e ainda é um dos maiores nomes do thrash metal mundial. E o caminho percorrido por eles deu a liberdade para fazerem o que quisessem, porém estava cedo demais para o guitarrista Kerry King.
Sendo a outra metade responsável pelas composições do Slayer junto ao saudoso guitarrista Jeff Hanneman, e após sua morte se tornou a personificação da banda, King ainda tinha muito o que entregar ao mundo, mesmo que a lenda sob seu nome já havia se estabelecido. E com isso chegamos ao lançamento do seu primeiro álbum solo, From Hell I Rise, via Reigning Phoenix Music.
Embora o disco carregue o nome do guitarrista, a banda que o acompanha é digna de nota. Kerry King reuniu um supergrupo formado pelo colega e baterista Paul Bostaph (Slayer, Testament, Exodus), o baixista Kyle Sanders (Hellyeah), o guitarrista e multi bandas Phil Demmel (ex-Machine Head) e o vocalista Mark Osegueda (Death Angel).
Com esse time King certamente estabeleceu um alto padrão para suas músicas e conseguiu entregar um trabalho que é o que esperamos dele: ótimos riffs, solos matadores, letras mais do que inspiradas e muito sangue respingado do Slayer.
Sim, aqui temos o que seria uma continuação natural do Repentless (2015), já que algumas faixas de From Hell I Rise fariam parte do próximo álbum do Slayer. Sendo assim, espere riffs que levam você para antigos registros da banda, e confesso que não esperava algo diferente vindo de Kerry King, pois como dito anteriormente, ele se tornou o Slayer. E ele é o melhor no que faz.
As faixas do novo álbum de Kerry King
Falando sobre as faixas, o disco abre com a instrumental “Diablo”, que é descaradamente Slayer do início ao fim. Ela faz muito bem sua função e prepara o terreno com guitarras pesadas e a bateria de Bostaph assumindo o controle e criando a atmosfera do mal que tanto gostamos. Seguimos para “Where I Reign”, uma mistura de thrash e punk que funciona muito bem. E a frase de Osegueda “deixe o fogo te libertar” é cheia de espírito hardcore. Ela também conta com um solo incrível no meio e no final, e mostra que o trabalho será guiado pelas guitarras.
“Residue” chega mais cadenciada, com um groove excelente e riffs abafados de guitarra. Um dos grandes destaques da faixa são os vocais agressivos, transmitindo ódio e contando com muita técnica. Na sequência “Idle Hands” chega mais pesada, suja e veloz. Exatamente como a fórmula do thrash metal manda. Ela tem toques de South of Heaven (1988) e temos outro ótimo trabalho de Osegueda, que branda “do the devil’s work” e abre espaço para mais um grande solo.
“Trophies of The Tyrant” tem uma base sólida, com a cozinha mostrando um trabalho amarrado, com uma sequência de solos que se intensificam no final, acelerando a faixa como se fosse o último suspiro. “Crucifixation” é uma exibição de caos que já começa acelerada, num ritmo perfeito para bater cabeça. Uma das melhores do disco, a faixa mostra uma banda em sua excelência com uma cozinha redonda, riffs e mais riffs de guitarra da dupla King/Demmel, e os vocais ainda mais agressivos. O único ponto que vai contra essa música é a parte do meio, onde uma reprise de “Diablo” é tocada, o que acaba quebrando um pouco do ritmo de uma faixa que poderia ter uma execução menor, mas que felizmente tem um retorno ótimo com um solo matador.
Uma clara mensagem política de Kerry King
Talvez pela duração da faixa anterior, o álbum segue com “Tension” e “Everything I Hate About You”, músicas com tempos de execução mais confortáveis. A primeira é uma das mais cadenciadas do disco, com um solo mais melódico, mas sem deixar o peso de lado. Já a segunda, retorna com a velocidade e brutalidade no melhor estilo Slayer. Reforçado pelos vocais de Osegueda que são muito parecidos com os de Tom Araya. A faixa é a mais curta do disco, com menos de 90 segundos, e acaba sendo o que “Crucifixation” deveria ter sido: impetuosa, contundente e direta.
“Toxic” se resume ao que King faz bem. Com um riff pegajoso e carregado de groove antes de cair em um solo de guitarra e com um videoclipe que transmite toda essa energia. A letra aborda como o cenário político é tóxico para nossa saúde mental. King explica (via Radio Rock) que a ideia veio após a decisão do governo de derrubar uma lei que garantia o direito ao aborto. “Ela foi escrita logo após a decisão que derrubou a Roe V. Wade (lei que garantia o aborto) nos Estados Unidos… Não consigo entender como o povo americano está bem com isso. [Donald] Trump dividiu o país, e ele ainda está dividido. Não sei o que precisa acontecer para fazer essa mudança. Certamente não será a eleição de 2024, porque ninguém se importa com nenhum desses candidatos.”
“Two Fists” carrega a energia punk e você estará batendo a cabeça antes que perceba. “Rage” é veloz, com um caos organizado. Encaixaram muito bem em uma apresentação ao vivo com ritmo de bateria e solos de derreter a face de qualquer um. “Shrapnel” começa em um ritmo que vai crescendo e ganhando força. Apesar de durar cinco minutos, esta homenagem ao heavy metal mais obscuro dos anos 80, é ótima do começo ao fim.
O legado do Slayer
Finalizando o álbum temos a faixa-título. Uma prova de como King ressuscitou o Slayer das cinzas para continuar seu legado. “Do Inferno eu subo para incendiar os céus” é a declaração da missão de King. E ele o faz com excelência, dando a todos o melhor de uma banda alinhada, com garra e mostrando o porque precisamos desse disco entre nós.
Este álbum é de fato uma extensão do Slayer, e talvez o que poderia ter acontecido se a banda tivesse continuado, sendo uma junção de thrash e heavy metal com excelente execução. O momento mais arrastado citado não tira o brilho de um álbum que merece uma nota 10, e é também uma prova de porque Kerry King é um dos melhores guitarristas que nossa cena já viu.
Em suma, é um retorno bem-vindo de um dos músicos mais estimados do mundo.
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