Texto: Rust Costa Machado
Fotos: Alessandra Felizari
Do palco, os próprios Fabio Lione e Marcelo Barbosa admitiram (e agradeceram a presença!): terça-feira é complicado. Os músicos estiveram em Porto Alegre em 30 de novembro para um show bem descontraído e desapegado dos padrões. É a tentativa de um reinício – e nessa turnê, os companheiros de Angra viajam o Brasil de 2021. Como em caravana política, Fabio Lione tem a chance de conhecer um pouco melhor o tradicional público da banda que hoje integra neste continente. Como se precisasse: o eterno frontman do Rhapsody clássico nunca precisou provar nada pra ninguém, e tem gente que chega a se perguntar se Rafael Bittencourt tem a dimensão correta do calibre do cantor. Afirmando-se talentosamente um personagem produtivo no panteão de mestres do melódico, o cantor italiano vem solto, noite por noite (foram mais de 25 shows em um mês), dar algumas amostras da velha arte de drives invocados, vibratos descontrolados e um timbre tenor único e viciante.
Marcelo Barbosa, artista que ganhou projeção nos últimos anos, hoje integra o Angra com o árduo desafio (hoje superado) de substituir Kiko Loureiro, icônico guitarrista que influencia gerações inteiras de guitarristas no Brasil. Função essa que o músico de Brasília desempenha à altura, além de trazer sua própria carga de Brasil, de professor e musico profissional, de suas raízes étnicas e de fã de metal – em suma, a famosa brasilidade da qual o Angra costuma se gabar.
O combo não tinha muito o que dar errado, e o repertório recaiu sobre a interpretação de clássicos do rock. A casa levantou o telão pelas 21h10, e o público de aproximadamente 150 pessoas espalhou-se pelo Bar Opinião (a maioria com máscaras) para ouvir a dupla emplacar uma versão agradável e calorosa de “Open Your Heart” (Europe).
O público apreciou ainda versões de “Love Ain’t No Stranger” e “The Deeper the Love” (ambas do Whitesnake), “Silent Lucidity” (Queensrÿche) e a requisitada “Tears of The Dragon” (Bruce Dickinson). Como esperado, músicas das 3 fases de sua banda atual foram executadas: “Make Believe”, “Rebirth” e, do álbum Omni, “Always More” – um b-side da última encarnação do quinteto. Os dois músicos aproveitam a situação para encontrar um novo caminho de se consolidarem junto ao prolífico público do Angra espalhado no território nacional. Mas apesar do talento de Barbosa, é evidente que a estrela da noite é o cantor italiano, que brinda o público com um lado mais íntimo da arte de cantar “de verdade”. Se geralmente (no metal) os vocalistas puxam a voz o máximo que podem, ali o artista se viu em casa para mostrar facetas de seu canto – inclusive o lírico, buscando notas pavarotianas aqui e ali, e especialmente no impressionante “Lamento Eroico”, única presença do hinário do velho Rhapsody Of Fire. Com uma presença desse porte, mesmo com as limitações do formato, penso que Marcelo Barbosa poderia oferecer um pouco mais de violão para um país que se apropriou deste instrumento com tanta virtude.
É necessário dar-se crédito ao culto da performance e carisma de Fabio Lione. O músico, que “plugado” costuma ter uma presença de palco exemplar, já se apresenta na América do Sul há décadas, e desde o primeiro dia é exaltado pelo timbre único, pelo sotaque, vibratos, técnicas e uma extensão vocal abrangente e admirável. Sentado em um banco no palco do Opinião, chega a ser precioso notar com ele reprime toda essa potência, relegando-se a românticos goles numa taça de vinho e algumas caminhadas pelo palco. Sua entrega generosa no Opinião teve grandes momentos de explosão vocal, graças a grandes acertos do repertório que incendiaram os presentes, como “Show Must Go On” (Queen), “Dream On” (Aerosmith) e “Still Loving You” (Scorpions), faixa ‘formativa’ dos tenores metaleiros dos anos 80/90. Outro grande momento foi “Wasted Years” (Iron Maiden), que inevitavelmente igualou músicos e o público na régua de reverência pela donzela inglesa.
O duo prepara o encerramento com “Gentle Change” (Angra), que saiu lindamente no violão, e encerra os trabalhos com uma “We Are the Champions” (Queen) de boteco, mas com muita qualidade. A essa altura, público e banda já se comunicavam quase de igual pra igual, na maior brasilidade, travando pequenas conversas aqui e ali. Rolou até uma troca de votos de casal, no palco, duas criaturas da plateia tirando fotinho com a banda e sendo feliz. Teve também os olhos de águia do Lione, comentando a camiseta do Sanctuary de um dos presentes (“Sanctuary? essa banda é muito boa”, disse e reiterou em ítalo-português), momento que seria dispensado deste expediente, se não tivesse acontecido justamente comigo!
O público deixou o Opinião com ganas de voltar, e cheio de planos. Há diversas tours confirmadas pelo Brasil, muitas delas passando por Porto Alegre – mas também há incerteza. Lione, junto de Luca Turilli e grande elenco, deve retornar ao palco do Opinião em 8 de fevereiro de 2022, desta vez à frente de um Rhapsody renovado em temáticas e abordagens instrumentais. A banda traz na mala o Kamelot, outro veterano reformulado. Aguardaremos otimistas, e sobretudo animados por ver Porto Alegre figurando novamente entres as datas de grandes artistas.
Veja abaixo fotos do show por Alessandra Felizari: