Noturnall é uma banda fora da curva no cenário do heavy metal brasileiro. Com uma robusta experiência na estrada pelo mundo afora, incluindo extensas turnês com Paul Di’Anno, o grupo liderado coleciona feitos impressionantes e peculiares – e isso não é diferente no ciclo de lançamento de Cosmic Redemption, quarto álbum de estúdio da banda.
Em entrevista ao Wikimetal, o vocalista e produtor Thiago Bianchi falou sobre os bastidores caóticos da extensa turnê com o primeiro vocalista do Iron Maiden pelo Brasil, o novo álbum do Noturnall e o momento atual da banda.
O disco Cosmic Redemption nasceu em um contexto conturbado: com a chegada repentina da pandemia de COVID-19, em 2020, a banda teve uma turnê européia inteira com o Sons of Apollo adiada depois do primeiro show. Com as restrições de viagem, o processo de gravação do álbum foi mais dificultoso, logo quando a formação do Noturnall passou por uma reestruturação… Mas foram justamente esses obstáculos que tornam o disco ainda mais marcante aos olhos dos músicos envolvidos.
Noturnall na estrada com Paul Di’Anno
Às vésperas do lançamento do disco, o Noturnall embarcou em uma turnê de proporção histórica, escolhida como banda de apoio de Paul Di’Anno em uma série de 30 apresentações pelo Brasil, ao lado do Electric Gypsy. Os shows aconteceram entre janeiro e março, passando por todas as regiões do país. Nenhum outro artista internacional já fez uma turnê tão extensa e abrangente em território por aqui. Mesmo entre bandas nacionais envolvidas, essa foi uma das maiores tours consecutivas em solo brasileiro.
Uma série de shows tão intensa não vem sem percalços, especialmente com as complicações de saúde de Di’Anno, e Bianchi teve medo de que as bandas não passariam do primeiro (e catastrófico) show. Logo se tornou evidente que Di’Anno precisaria de uma equipe médica para seguir com os compromissos. “Ele teve algumas situações adversas na vida dele que o deixaram em um estado totalmente diferente e muito inferior ao que ele tinha apresentado quando foram lá fechar [a turnê]”, relembra o brasileiro. “Foi um choque para todo mundo”.
Problemas técnicos e um mal estar súbito do baterista Henrique Pucci, do Noturnall, também marcaram a estreia da turnê, cujo itinerário teve início em Fortaleza. “A sensação geral era de que a turnê acabaria ali, ou que duraria mais um ou dois shows, seria um fiasco daqueles de serem lembrados na posterioridade, né?”, confessou Thiago Bianchi.
Felizmente, a “redenção cósmica” do álbum do Noturnall se movimentou para impedir o pior – e o esforço conjunto de todos os envolvidos, dos bastidores ao palco e público, mudou completamente o cenário apocalíptico da empreitada. Quase como mágica, tudo “entrou nos eixos” a partir da segunda data, com vários sold out engatilhados na agenda.“[Depois disso], foi uma turnê extremamente divertida. Tudo deu certo. Acho que foi a turnê mais emotiva da minha carreira”, contou Bianchi.
Sem dúvidas, a parceria com Di’Anno foi um sucesso. “Se tornou uma lua de mel, nos tornamos grandes amigos”, resume Bianchi. Uma prova disso está nos planos futuros: Noturnall e Electric Gypsy acompanham Paul Di’Anno em turnê pelo Reino Unido entre novembro e dezembro. A agenda segue por 2024, com um segundo round de shows com o vocalista pelo Brasil, com 45 apresentações já anunciadas entre janeiro e abril do próximo ano.
Na convivência em aeroportos, hotéis e ônibus, se estabeleceu essa amizade entre os integrantes do Noturnall e Paul Di’Anno, uma referência icônica no heavy metal pela voz e atitude dos primeiros discos do Maiden, e se torna impossível não imaginar se uma colaboração em estúdio não seria o próximo passo natural.
“Não gosto de fazer nada genérico. Quero fazer uma coisa com ele que marque não só nossa carreira, mas a dele também. E como todos sabem, o Noturnall gosta de presentear os fãs sempre com grandes apresentações, grandes clipes, grandes DVDs, grandes discos, e grandes participações, feitas da melhor forma possível”, detalha o músico. No próximo disco a gente pode tentar. Com certeza deve pintar alguma coisa assim no futuro, mas tem que chegar a hora certa. Essa hora está próxima. Ainda não chegou, mas deve acontecer logo mais”.
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Novo álbum Cosmic Redemption com Ney Matogrosso e outros ídolos
Dois bons exemplos dessa disciplina de produzir materiais grandiosos e de ineditismo estão no álbum Cosmic Redemption, com uma surpreendente versão de “O Tempo Não Para”, clássico do Cazuza, em heavy metal – e com participação especial de Ney Matogrosso. Para Bianchi, a escolha foi instintiva, pois Cazuza representa uma “atitude heavy metal”, dono de uma poesia afiada e rebeldia (com causa) essenciais em um país como o Brasil. E filho de Maria Odette, cantora de MPB, o vocalista também tem profunda admiração por Ney, que o convidou para essa empreitada depois de uma entrevista e recebeu total confiança do ídolo.
“A galera recebeu super bem, eu estava meio preparado também para críticas, mas não vieram. Impressionante como o público está ávido por coisas boas e bem feitas, receberam de braços abertos e foi um sucesso. E essa música é um dos ápices do nosso show hoje em dia”, revelou Bianchi com orgulho.
Outro marco do disco é a enérgica canção “Try Harder”, com um clipe gravado na favela da Rocinha, algo inédito para uma banda de metal progressivo. Um hino sobre dar o melhor e lutar para se manter fiel aos próprios instintos, a música se torna mais completa no cenário do clipe. “É [mostrar] para o mundo que o metal, principalmente o brasileiro, não conhece credo, raça, cor, condição social ou financeira. O Heavy Metal é para todos. Lamento que, muitas vezes, o metal acaba ficando muito voltado para aquela coisa das fábricas destruídas [nos clipes], cemitérios, coisas corroídas e tudo mais. Tudo bem, eu entendo que tem esse lado da atitude. Mas eu acho que nós temos que levar um Heavy Metal para outros lugares e situações que saiam um pouco desse lugar comum, que mostre inclusive a nossa situação, a nossa condição do Brasil”.
De modo geral, Cosmic Redemption marca um recomeço do Noturnall. Todos os integrantes anteriores deixaram o projeto de Thiago, conforme relatado no bem humorado clipe “Scream! For!! Me!!!”, com participação de Mike Portnoy. Apesar da atuação necessária, o clipe explica bem como Bianchi encontrou Mike Orlando (guitarra), Saulo Xakol (baixo) e Henrique Pucci (bateria), devidamente “batizado” por Portnoy na vida real e no cenário fictício da gravação.
Com a nova formação, a banda já alcançou novas marcas incríveis e inéditas, como um DVD na Rússia, lançado em 2020, além das participações de ícones da música global e os planos para a estrada, alguns dos quais citamos aqui. “Esse novo disco cravou que o Noturnall é uma banda com muito a doar para o metal mundial”, resume o frontman. “Esse projeto saiu com muita dificuldade, tivemos pandemia, turnê, situações acontecendo no caminho… Então o sentimento que tenho é de vitória”.
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