Vestida de jaqueta de couro com taxas e usando a característica maquiagem preta nos olhos claros, Doro Pesch conversa com o Wikimetal em um cenário que é um misto de um quarto de fã adolescente com altar ao próprio legado.

Ao longo da entrevista por Zoom, é possível observar que a icônica vocalista alemã tem fotos e pôsteres por toda parte, com o amigo Lemmy Kilmister à sua direita, e outra Doro (de papelão e em tamanho real) olha para a câmera logo atrás. 

“Estamos indo para o Brasil e mal podemos esperar, é muito empolgante. Essa será nossa primeira turnê de 2023 e não há forma melhor de iniciar o ano”, comenta a vocalista sobre a vinda ao Monsters of Rock logo de cara, com sorriso e animação contagiantes. Mesmo com tanto tempo de carreira e o status de ícone, tendo conquistado o merecido título de Rainha do Metal, ela parece uma jovem animada e genuinamente feliz por estar naquela conversa, talvez a quinta ou sexta da agenda de entrevistas do dia. 

Aos 58 anos de idade, a vocalista alemã fez história no mundo do metal, e muitas vezes sem nem ter consciência disso. Em 1986, na edição do Monsters of Rock em Castle Donington, na Inglaterra, Doro ainda era vocalista do Warlock e se tornou a primeira mulher a se apresentar no festival. Na época, a banda não tinha ideia da proporção do evento. 

“Achei que teriam cinco, seis mil pessoas lá. Mas eram 80 mil headbangers batendo cabeça, todo muito indo à loucura, você sentia a energia boa”, relembrou. “E foi incrível ser a primeira mulher a tocar no festival. Eu nunca me senti diferente, mas todos me lembram [desse feito], acho ótimo. Eu sou apenas uma música, apenas faço o que amo”. 

Aquela apresentação virou o jogo para o Warlock, que engatou uma turnê como banda de apoio do Judas Priest pouco depois, permitindo que Doro abandonasse o emprego formal como designer gráfica para se dedicar apenas ao metal. “Quando comecei, nunca achei que iria durar mais do que uns cinco anos, mas agora vou completar 40 anos de carreira e ainda posso tocar no Monsters of Rock, isso é maravilhoso! Isso me dá energia para fazer uns 20 novos álbuns na sequência”, diz. 

O próximo álbum de Doro, primeiro disco desde Forever Warriors, Forever United (2018), deve chegar ainda em 2023. Ainda sem título divulgado, o décimo quarto álbum da cantora “está quase pronto” e com previsão de lançamento para 27 de outubro. 

Aliás, a tal jaqueta de couro do figurino usado para a entrevista (e as luvas sem dedos para acompanhar), não são mais de couro animal como antigamente. Há anos, Doro é vegana e pretende homenagear os animais na música “Heavenly Creatures”, parte do aguardado novo disco. 

“Essas roupas parecem couro de verdade, mas é artificial, porque eu amo os animais. Quando comecei [na música], eu não tinha essa consciência, mas me tornei vegana há muitos anos”, explica. “Eu amo tanto os animais que não quero machucá-los, seja para as roupas dos shows ou para me divertir com uma comida por um instante. Então sou totalmente vegana e só uso couro vegano também, a sensação é ótima”. 

Tutora de animais resgatados de maus tratos, como cavalos, e madrinha de outros em instituições, o objetivo da declaração de amor de Doro pelos animais na música ainda não lançada é conscientizar as pessoas sobre o sofrimento dessas criaturas. “É um tema sensível, mas talvez eu consiga fazer algo com essa música para [tocar] quem ainda não sabem do que acontece com os animais”. 

Ainda que nem sempre tão explicitamente direcionado, o ativismo de Doro Pesch se faz presente nas músicas da artista de forma sutil e palatável ao rock n’ roll, mas nem por isso menos relevante. “Sempre quero empoderar as pessoas”, confirma. “Dar força e poder aos fãs, para que lutem por si, façam a coisa certa, lutem por boas causas. Acredito que todo mundo sabe o que é certo no coração, então essa é a minha missão e tento manter [uma mensagem] positiva, o que é difícil de se fazer no metal”. 

Há pelo menos duas décadas, a cantora e compositora faz questão de fugir dos clichês infernais ou letras pesadas, sem jamais abrir mão de um heavy metal de qualidade, como em “Raise Your Fist In The Air”.

Dona de um visual icônico, com o longo cabelo loiro platinado e as roupas justas de couro, Doro foi pressionada ao longo da carreira para mostrar mais pele e ter uma postura mais objetificada, algo que nunca aceitou, assim como não abriu mão de fazer a música que queria, apesar da pressão das gravadoras, tão poderosas nos anos 1980 e 1990.

“Algumas pessoas só querem álbuns de sucesso e dinheiro, querem que você se torne mais comercial, [me diziam] para parar de usar couro, que eu deveria ser mais amigável para as rádios”, lembra.

Em um desses embates de vontade, entre o capital e o artístico, o disco Love Me in Black nem foi lançado fora da Alemanha na época. Uma pessoa da gravadora de Doro na época disse que ela deveria tingir o cabelo de preto, fazer um novo corte e parecer “mais moderna” com um estilo completamente diferente. “Eu não sou um palhaço da moda”, foi a resposta da artista.

Doro Pesch e banda
Doro Pesch e banda. Crédito: Joche Rolfes

“Algumas vezes, a pressão era muito, especialmente no que diz respeito à minha aparência. Nos clipes, sempre diziam que precisava de mais pele, mais nudez, mais apelo sexual. E eu dizia ‘Não, me sinto confortável do meu jeito’. É natural, sabe? Me visto e penso ‘Sim, eu gosto disso’. Sexy, mas sem ser sexy demais”, conta. 

Uma das poucas referências de mulheres nos vocais de bandas de metal dos anos 1980, Doro era o contraponto às imagens comuns de mulheres erotizadas em clipes de bandas de rock e metal, sempre dançando ou com pouca roupa. “Sim, era bonito e sexy, mas não é poderoso. E sempre pensei que, seja lá o que você faça, você deve ser poderosa, não deve parecer barato ou brega”. 

Para a setlist do show no Brasil, que será o primeiro do line-up no Monsters of Rock, Doro prometeu todos os clássicos do Warlock, com ênfase nos álbuns Burning Witches e Triumph and Agony, e talvez uma música nova.

A sétima edição do Monsters of Rock no Brasil acontecerá em 22 de abril, no Allianz Parque, em São Paulo. O evento terá KISS, Scorpions, Deep Purple, Helloween, Candlemass, Symphony X e Doro.  Os ingressos variam entre R$240 e R$2.500 e estão disponíveis no site da Eventim.


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