Substituir o Scott Ian no Big Four foi sem dúvida muito mais que um sonho. Fiquei lisonjeado, feliz, honrado, privilegiado. De tanto músico no mundo o cara ligar pro Brasil e falar comigo; foi uma coisa inesperada e fantástica”
Andreas Kisser: Alô.
W (Nando Machado): Alô, Andreas Kisser, por favor.
AK: Eu.
W (NM): Andreas, estamos aqui Nando Machado e Daniel Dystyler pra gravar a entrevista pro Wikimetal. Tudo bem?
AK: Legal, tudo certo.
W (NM): Você está pronto?
AK: Vamos lá.
W (Daniel Dystyler): Oi, Andreas, tudo bem? É o Daniel.
AK: Fala Daniel, tudo certo.
W (DD): Beleza, vai ser muito legal conversar um pouquinho com você. O Nando vai começar aqui.
AK: Beleza, vamos lá.
W (NM): Mais uma vez a gente está tendo o prazer de falar com o grande Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura. Primeiro eu queria falar que a gente está muito feliz com todo o resultado que a turnê do Kairos teve; desde o lançamento a gente acompanhou de perto o lançamento do disco e a gente ficou feliz por ver o Sepultura mais uma vez onde merece estar, no topo do Metal, do Thrash Metal mundial. Eu queria primeiro saber o que você lembra daquela noite, acho que foi em 88, quando – se eu não me engano foi nesta noite – vocês abriram o show do Exumer na Portuguesa, em São Paulo.
AK: Caramba.
W (NM): Foi nessa noite em que vocês assinaram o primeiro contrato com a Road Runner, não teve alguma coisa assim?
AK: Foi, foi bem nessa época aí. Na verdade, o Max, ele foi pros Estados Unidos logo depois do show que a gente fez lá no Clube dos Aeroviários, do lado do aeroporto de Congonhas, ali que ele foi lá pros Estados Unidos, pra Nova Iorque, deixou o Esquizofrenia lá pra várias pessoas. Na verdade foi mais ou menos a mesma época. O show do Exumer foi histórico pra gente mesmo, tocar numa arena junto com o Dorsal Atlântica, foi uma puta experiência, foi acho que nosso primeiro grande show. Tudo bem que os caras antes de eu entrar na banda tinham tocado com o Venom e tudo, mas foi um Mineirinho vazio e tudo. Aquilo lá estava com um clima muito legal, a galera tinha comparecido em peso. E foi um puta show, muito legal.
W (DD): Andreas, essa pergunta que eu vou fazer, eu sei que ela é meio injusta com a carreira sensacional que você construiu, que o Sepultura construiu, mas quando você ouvir a pergunta, a primeira coisa que vier na sua cabeça vai valer. Qual o seu maior orgulho de tudo o que o Sepultura já conquistou?
AK: Puts, é permanecer vivo como banda. Acho que durante 27 anos, de todas as mudanças de dentro da banda, de membros, de empresários, de gravadoras, e principalmente as mudanças fora da banda; tecnológicas, como vinil pra cd, cd pra md, md pra download e toda essa revolução que aconteceu no business, de música de graça, etc. É estar forte aqui como Sepultura, mais relevante do que nunca, tocando em todas as partes do mundo, nos grandes festivais, com um disco forte, uma gravadora forte. Acho que isso é celebrar o presente, é o conceito do Kairos, viver o presente o mais intensamente possível e respeitando o passado, mas não preso nele. Então acho que o momento atual é o que tem de mais forte e gratificante.
W (NM): E aproveitando o que você falou sobre toda essa mudança aí de formatos que vocês viveram, desde o vinil e tudo, eu queria que você comparasse um pouco como era aquela época das trocas de fitas demo pelo correio, fazendo um paralelo com a troca de arquivos pela Internet, os sites de “share”. Como você vê o download gratuito, gente que baixa música de graça na Internet?
AK: É inevitável, né, cara? É difícil você julgar… e não é só a música, é tudo. Essa coisa de vazar as informações de documentos secretos pelo Wikileaks, o cara sendo ameaçado com prisão, etc. Acho que música é o de menos. Acho que acabou com o monopólio das gravadoras, o que foi uma coisa excelente. Antes estava todo mundo na mão de um monte de caras, de músico frustrado e cara que fazia parte de um business que julgava sua música ali e vendia da maneira que eles queriam, na hora que queriam e você ficava preso através de um contrato e sempre devendo dinheiro… é uma merda. Gravadora era um banco que, na verdade mais fodia do que ajudava, né? E hoje está uma coisa muito aberta. Não que as gravadoras tenham acabado, muitas acabaram, muitas não conseguiram segurar, mas acho que a arte está mais livre agora, você tem um contato direto do artista com o ouvinte, com o cara que está curtindo a música. Malu Magalhães, por exemplo, não seria possível numa estrutura de gravadora – talvez não seria possível – mas ela achou o caminho dela entre tantos outros, é só um exemplo. Então agora você vê e todas as bandas estão na estrada, desde a banda Hard Core ali no Hangar até o Paul McCartney e Madonna no Morumbi, tá todo mundo na estrada, Paul McCartney não sai mais do Brasil. Então não tem aquela coisa de vender disco e ficar em casa curtindo ser milionário, a galera tá na estrada e é onde o músico tem que estar mesmo. Você vê que a própria MTV não passa mais vídeo, foram pra outros lados. Então acho que é uma coisa inevitável, que ainda é um período de transição, mas eu acho que é uma coisa muito mais positiva do que negativa pra arte em si, pra música.
W (NM): E você lembra, isso tem alguma relação com aquela troca de fitas que vocês faziam no começo dos anos 80?
AK: É, mudaram os meios, mas o espírito é o mesmo. A gente fazia vaquinha pra comprar um vinil e gravava fita pra todo mundo, é um download de graça também. Tinha uma galera que até fazia uma graninha com isso, mas era aquela coisa de ter a música, escutar, etc. Acho que o sentimento é o mesmo ainda, só que você tem muito mais possibilidades, né? Você pode ver coisa do Black Sabbath que nem imaginaria ver naquela época, hoje no Youtube você encontra de tudo. Eu vejo meu filho de 15 anos, está aprendendo a tocar guitarra também, ele tem o próprio Kirk Hammett ensinando um riff pra ele na telinha, então a facilidade é extrema hoje em dia. Mas, como a competição é maior, a dificuldade é a mesma, só vão se destacar aqueles que valem a pena mesmo e que estão fazendo a música de acordo com o seu coração, sem outras intenções e é isso que vale, na verdade. Então acho que o sentimento é o mesmo, só que as ferramentas são outras.
W (DD): É verdade. E dentro dessa liberdade que você estava comentando, dos artistas, do que esse novo cenário possibilita, você já participou de um monte de projetos, shows… colaborar com um monte de outros artistas. Eu queria que você falasse duas coisas. Qual você acha que foi a colaboração mais interessante ou mais legal que você acha que fez? E o contrário também, dos artistas que colaboraram com o Sepultura ou gravaram com o Sepultura, qual que você acha que vale destacar?
AK: Com o Sepultura acho que teve várias, acho que uma importante foi a do Carlinhos Brown, escrevemos Ratamahatta juntos no estúdio durante as gravações do Roots e é uma música que a gente toca até hoje e a galera não sabe o que a gente tá falando, mas pira. É uma música bem com um esquema brasileiro e misturou com a coisa pesada, eu acho que isso mostrou um caminho diferente, não só pro Sepultura, mas pra várias bandas, de respeitar aquela coisa da cultura local. Você vê, na Noruega, na Escandinávia, tem um certo estilo de Metal que usa aquela coisa das tradições, o próprio Metallica trazendo um pouco da música Country pra banda. Independente de ser bom ou ruim, é uma coisa que rola e eu acho isso interessante, legal, essa mistura que acontece de uma maneira descompromissada e que no final funciona pra muita música. E não sei, eu já fiz tanta participação foda que eu curto, tipo Titãs, Skank, Paralamas, já gravei com todos esses caras, até Chitãozinho & Xororó, fiz um solo no último disco deles de estúdio. E respeito todas elas, com todas elas eu aprendi alguma coisa, no Big Four ano passado, ter tocado com o Anthrax, ter feito a jam com todas aquelas lendas do Metal e estar representando o Brasil no meio de todo mundo ali foi inacreditável também. Então são experiências diferentes, mas que têm cada uma um valor único que me ajuda a crescer como músico e como pessoa também.
No geral, é muito difícil pra todo mundo. Se você não tem reconhecimento fora do Brasil, neguinho no Brasil não te dá o devido valor mesmo”
W (NM): Muito legal. Andreas, vocês sempre fizeram, no Sepultura, versões muito boas de músicas de outros estilos. Dessa vez no Kairos vocês gravaram Prodigy, vocês não cansam de ter que dar explicação sempre que gravam uma música que não é de Metal? E como é que você vê esse preconceito de parte do público Metal em relação a qualquer coisa que seja um pouco diferente, um pouco original?
AK: Ah, isso aí é normal, né, cara? Essa coisa do preconceito dentro do próprio Metal é uma coisa que não vai acabar nunca, eu acho. Tá bem melhor, na verdade, o pessoal tem uma cabeça um pouco mais aberta do que era no passado, o que ajudou até o estilo a sobreviver e ficar relevante por tanto tempo. Mas isso vai ter sempre, se o Sepultura escutar esses caras a gente não sai do lugar, porque cada um tem uma opinião, cada um tem uma maneira de ver a banda. A gente tem tantos discos diferentes que tem fãs que curtiam, que depois deixaram de curtir e depois curtiram de novo. Então a gente respeita todos, mas no final a gente vai fazer aquilo que acha interessante e que acha que é o jeito de se expressar, de fazer uma coisa interessante pra gente mesmos como músicos e crescer como artista, etc. E vai fazer aquilo que achar que tem que fazer, seja com orquestra, seja com o Brown, seja com o Tambor do Bronx, seja cantar em português, seja o que for. Fazer U2, fazer Prodigy, são desafios maravilhosos que a música possibilita. E fazendo cover é uma grande escola, eu mesmo comecei a tocar guitarra fazendo cover, tocava desde Whitesnake até Venom, Twisted Sister e Kreator, no mesmo show e tudo, então é uma escola fantástica onde eu aprendi a tocar todos esses estilos diferentes, tocando essas bandas que eu curtia. A gente não estava interessado em fazer um show político, mas é o nosso gosto pessoal mesmo e cabia tudo ali. Então acho que não tem que se explicar nada, meu, tem que fazer aquilo que você tá afim de fazer e independente do que você falar vai ter sempre alguém metendo a boca e espero que continue assim, porque se for unânime, aí fudeu, você tá fazendo alguma coisa errada.
W (DD): É verdade. E agora que você citou todas essas bandas, bandas que você curte, eu vou chamar nossa pergunta clássica, a pergunta que a gente faz pra todos os convidados especiais aqui do Wikimetal. Naquele dia da audição do Kairos eu já te perguntei isso e se você responder a mesma coisa, ótimo e se você responder diferente, melhor ainda, então pode responder o que você quiser. A pergunta clássica é: imagina você com seu iPod ou ouvindo uma estação de rádio de Rock, tá tocando aquelas milhões de músicas de Heavy Metal e, de repente, começa a tocar uma música que você não consegue se controlar, você precisa batera cabeça, você precisa headbanguear, independente de onde você tá, você não consegue ficar quieto; que música é essa pra gente ouvir agora no Wikimetal?
AK: Puts, cara, eu não sei… mas deve ser alguma coisa do Slayer, talvez Raining Blood ou Angel of Death, alguma coisa nesse nível. Eu não sei, eu não lembro dessa pergunta, mas essas podem funcionar também.
W (DD): Vamos de Angel of Death?
AK: Angel of Death.
W (NM): Com tantas bandas boas de Thrash no Brasil, quais os motivos que você acha que levou o Sepultura a dominar o mundo nos anos 90? E o que faltou, você acha, pras outras excelentes bandas de Metal darem certo lá fora? Por que você acha que o público brasileiro é tão fiel às bandas gringas e valoriza tão pouco as bandas brasileiras?
AK: É difícil dizer o que fez de diferente o Sepultura dar certo e as outras não, posso dizer da gente. A gente sempre foi muito dedicado, a gente ensaiava todo dia, era bater cartão mesmo, era o nosso trabalho e o nosso maior prazer, era tocar todo dia. Então a gente desenvolveu uma química legal de tocar em qualquer parte, qualquer estilo de palco, equipamento, etc., porque a gente estava muito bem preparado sempre. E eu acho que dedicação, não sei, a falta de medo de tentar, de arriscar… eu não sei, é difícil dizer. Mas eu acho que a ajuda da família também foi fundamental, tanto a minha como a do Paulo, como a do Max e a do Igor, foram fundamentais na hora de a gente estar fazendo aquela transição de sair da escola e procurar emprego ou ir pra uma faculdade. Eles deram total apoio pra que a gente pudesse focar e dedicar 100% o nosso tempo pra banda, pro Sepultura e eu acho que é uma mistura de tudo isso; dessa coisa da dedicação, dos nossos pais verem isso acontecendo e dar o apoio total que a gente precisava e fazer aquilo que a gente queria, sem ficar fazendo música pra rádio ou pra neguinho de gravadora ou pro vizinho, sei lá. A gente fazia o que a gente queria e meio que foda-se o resto mesmo. Então acho que é aquela coisa de fazer o que gosta com dedicação e profissionalismo mesmo, de ensaiar direto, e ir pras cabeças mesmo, sem ter medo, enfiar a cara. E essa coisa do apoio de banda internacional e nacional é uma coisa cultural, você vê isso em tudo quanto é parte do mundo, os próprios Beatles tiveram que sair da Inglaterra pra ir pra Alemanha, pra conseguir alguma coisa, algum status ou a própria experiência de tocar naquele inferninhos de Hamburg. O próprio Deep Purple fez o mesmo caminho na época. Então não sei, é aquela coisa cultural, vai ser sempre assim, não só no Brasil…. infelizmente, porque aqui no Brasil tem bandas únicas, não só as misturas que o Sepultura fez, mas Krisium, o próprio Claustrofobia, Torture Squad, Ratos de Porão, Angra, Shaman, André Matos, acho que o Brasil é muito bem representado em todos os estilos e todas as tendências do Metal. E essa coisa de banda brasileira é coisa de cultura, é difícil… você vê a própria seleção brasileira sendo massacrada aqui no Brasil, é uma coisa brutal. Tudo bem, até concordo que tá uma merda e tudo, mas você vê uma tradição disso, não é só a seleção do Mano, do Parreira, a seleção do 70 saiu escrachada daqui, você vê Rubens Barrichello, Felipe Massa perdendo total respeito, só porque não foram campeões, mas botam toda a história do cara de lado, se não forem campeões é lixo, entendeu? Então o brasileiro tem um pouco disso, né? Acho que só o Ayrton Senna mesmo que mudou um pouco disso e virou herói nacional porque ele empunhava a bandeira do Brasil com um puta orgulho, coisa que outros não fizeram. Então acho que é uma das poucas histórias que o Brasil realmente apoiou um ídolo. Tudo bem, respeitam o Piquet, o Fittipaldi, mas não tanto quanto o Senna; independente, foram grandes pilotos, difícil você comparar um Senna com um Piquet e um Fittipaldi. Mas o Senna tem essa empatia do povo brasileiro por ter essa coisa do patriotismo, etc. Mas no geral, é muito difícil pra todo mundo, se você não tem um reconhecimento fora do Brasil, neguinho no Brasil não te dá o devido valor mesmo.
Cuba foi muito especial. Mais de 80 mil pessoas compareceram, um show ao ar livre, o primeiro show de Heavy Metal de uma banda estrangeira no país. E foi uma coisa espetacular.”
W (DD): Mudando de assunto, você fez duas trilhas sonoras pra filmes ali no passado, uns dez anos atrás. Você tem vontade de fazer isso mais vezes, como é que foi essa experiência pra você?
AK: Ah, eu acho legal, cara. Eu acho legal quando me convidam pra fazer alguns temas e tudo, porque fazer uma trilha sonora, você tem que ter uma outra estrutura, fazer aquela coisa de achar barulhinhos aqui e ali pra temas curtos, etc., mas é uma experiência fantástica, você escreve música com outros limites, né? Você tem um limite do diretor, que é o deus do filme, se o cara não gosta daquilo ou daquele tom, você tem que mudar, não tem como. E a música é sempre no final, o cara tá mudando a edição, o cara mudou duas imagens, fudeu com toda a música, você tem que fazer tudo de novo, por causa de tempo e de conceito, etc. Então é uma coisa delicada, mas ao mesmo tempo mostra o outro caminho, de fazer música com outros limites e a partir daí você começa a ficar mais criativo, na verdade. Pra mim é um efeito McGyver, quanto menos você tem, mais você tem que fazer. Então você tem 38 segundos e 17 alguma coisa pra fazer um tema aqui, você tem que se virar pra apresentar o tema de acordo com a história, o personagem e com o limite do tempo. Foi por isso também que a gente começou a trabalhar com livros, do Dante Alighieri, o Laranja Mecânica; foi uma maneira de a gente extrapolar essa coisa da criatividade e através da história do livro fazer coisas que fossem compatíveis com a história. Por exemplo, Beethoven, no A-Lex, a gente nunca faria uma versão daquela se não fosse o livro, se não fosse a história. Então é legal isso, acho que força você a usar suas capacidades de uma forma que você nem achava que seria possível.
W (NM): Então agora queria que você pedisse mais uma música pra gente ouvir aqui no programa, dessa vez uma música que você fez, que você se orgulha muito de ter escrito, pra gente ouvir agora no Wikimetal.
AK: Acho que eu vou pedir a Dialog do nosso último disco, Kairos, que é uma música muito foda, muito especial e que tem funcionado muito bem ao vivo e eu curto muito o solo dessa música que eu trabalhei muito junto com o Roy Z no estúdio pra construir alguns solos e esse foi um deles, e eu curto muito esse solo, tanto no estúdio quanto ao vivo, Dialog.
W (NM): Beleza, Dialog no Wikimetal.
W (DD): Essa foi Dialog, que foi a escolha do Andreas Kisser como música que ele tem muito orgulho. Andreas, o Sepultura viajou e tocou praticamente no mundo inteiro; qual você acha que é o lugar mais exótico em que vocês tocaram ou qual a situação mais bizarra que vocês viveram?
AK: Tem algumas aí, mas acho que de esoterismo, no termo exótico, acho que foi a turnê da Indonésia em 92. A gente não esperava ter uma recepção daquela. O Sepultura lá era a maior banda do mundo na época, nós tocamos em duas cidades, Jakarta e Surabaya em estádios pra 60, 80 mil pessoas. Só o Sepultura e algumas bandas locais tocando, então foi uma surpresa, foi o primeiro país em que a gente recebeu um disco de ouro, que na verdade era um cassete de ouro, que só tinha cassete na Indonésia naquela época. Então foi uma surpresa e a gente conheceu muito da cultura, da culinária da Indonésia, vi show vodu lá, neguinho comendo gilete, tomei sangue de cobra, que é uma tradição de uma das tribos de lá, que fizeram da Indonésia um país, etc. É um país interessantíssimo que finalmente a gente agora volta pra lá, em novembro. A gente tem uma turnê na Ásia com Malásia e cinco shows na Indonésia. Então eu estou muito ansioso pra ver como é que está o país depois de tanto tempo, inclusive com a possibilidade de tocar em outras cidades que a gente não foi na época. Sem dúvida a Indonésia e Cuba também, Cuba foi muito especial, foi em 2008 ou 2009, eu não me lembro muito bem e tocamos no Malecón, que é a principal avenida que dá pro mar e mais de 80 mil pessoas compareceram, um show ao ar livre, o primeiro show de Heavy Metal de uma banda estrangeira no país. E foi uma coisa espetacular, passar uma semana em Cuba, conhecer o memorial do Che, o mausoléu do Che Guevara e um pouco mais da história da revolução e tudo o que Cuba passou. É um país super musical, conhecemos músicos ali incríveis, principalmente de percussão. E até bandas do Metal também que são bandas que não são conhecidas em lugar nenhum, que não tem essa possibilidade de mostrar seu trabalho fora; bandas muito boas, com músicos excelentes e originais, uma coisa bem única. Então são dois países que sem dúvida nenhuma são muito diferentes de qualquer outra parte do mundo.
W (DD): O Alex Skolnick quando a gente conversou com ele do Testament, ele contou que ele tem o projeto, acho que chama Unblock The Rock que é pra tentar exportar o som dessas bandas de Metal de Cuba pra que seja conhecido.
AK: Ah, que legal. Porque merece, viu, tem muita coisa boa lá que você não vem em lugar nenhum. Bandas excelentes mesmo.
W (NM): Então, Andreas, quando a gente entrevistou o Scott Ian, uma das perguntas foi sobre você e como é que os caras chegaram no seu nome e como é que eles escolheram você pra substituir ele nos shows do Big Four; e ele falou coisas muito legais sobre você. Você já falou um pouco sobre o Big Four, mas eu queria voltar a esse assunto, porque realmente foi um orgulho pra gente ver você lá representando o Brasil, a gente também divulgou o máximo que a gente pôde esses vídeos e a gente realmente se emocionava quando via os caras indo agitar com você e realmente pra eles também deve ter sido uma experiência muito legal. Conta um pouco mais sobre…. pô, é um sonho pra qualquer músico, principalmente de Metal.
AK: Sem dúvida, acho que muito mais que um sonho. Substituir o Scott Ian, que é a cara do Anthrax, ele é o líder ali que fala pela banda. Fiquei lisonjeado, feliz, honrado, privilegiado. De tanto músico no mundo o cara ligar pro Brasil e falar comigo; foi uma coisa inesperada e fantástica, fiquei realmente abalado quando recebi a ligação, quando conversei e tudo. Mas eu tive um tempo legal pra me preparar, o Scott me ajudou muito me mandando as letras dos ‘backings’ – que ele faz ‘backing’ pra caralho – e me tirando dúvidas do disco novo, que eu preparei algumas músicas também. Nós tocamos a “Fight ‘em”, e apresentamos isso antes do disco sair e tudo. E a jam, o respeito que todas essas bandas, o Metallica, Megadeath, Slayer, Anthrax, o crew, o pessoal que já até trabalhou com o Sepultura, o respeito que eles têm pelo Sepultura, ter sido muito bem recebido por todos. O clima no camarim era clima de adolescentes, de reunião de escola, um pessoal que se conhece há muito tempo e que estavam lá juntos celebrando a história maravilhosa de todas as bandas e o Metal, com shows gigantescos e ‘sold out’ em tudo quanto é lugar. E foi uma das minhas melhores experiências, da minha carreira, sem dúvida e vou guardar isso com muito carinho. A química que eu tive com o pessoal da banda foi… a gente teve um ensaio só antes de tocar e lógico, eu falei que me preparei bem seis meses antes tirando as músicas e preparado; fizemos um ensaio e no dia seguinte a gente estava lá no estádio pra 60, 70 mil pessoas, fazendo o primeiro show do dia e o primeiro acorde era meu, já começou com tudo. E me senti muito bem, me senti muito confiante, me senti em casa e eles me fizeram sentir muito bem e foi uma experiência maravilhosa, não vou esquecer nunca mais.
W (DD): Muito legal, a música acho que é “Fight ‘Em ‘Til You Can’t”, essa aí que você estava falando.
AK: Essa aí mesmo. Eu não lembrada do nome inteiro dela.
Acho que a música das músicas, que está no inatingível ainda por muito tempo, é a Bohemian Rhapsody, do Queen”
W (DD): E o Scott contou um negócio muito legal, acho que foi num show, se não me engano em Milão, que ia ter uma fotos. Ele foi pra lá, ele viajou meio que de surpresa e ele falou que você tocou metade do show e depois ele entrou e tocou junto e ele falou que antes dele entrar ele ficou do lado vendo.
W (NM): Foi a primeira vez, né?
W (DD): Ele falou assim: “Foi a primeira vez que eu vi o Anthrax”.
AK: Foi bizarro, ele está lá do lado agitando e eu tocando no lugar dele.
W(DD): E ele falou que o Kerry King estava do lado dele e ele falou assim “meu, isso aí deve ser muito estranho, ficar vendo a sua própria banda tocar, eu nunca vi o Slayer tocar”.
AK: Não, foi do caralho. Ele foi fazer a foto de uma capa pra uma revista com os quatro representantes, acho que é o Hetfield, o Kerry King, o Mustaine e o Ian, o Scott Ian. Assim quando apareceu a foto eram os quatro ali. Então ele teve que ir pra lá nesse dia, foi pra um show só e voltou depois pros Estados Unidos. E foi do caralho, o Anthrax completíssimo comigo no meio atrapalhando.
W (DD): Atrapalhando nada.
AK: Mas deu pra fazer o show e depois ele entrou e tocou algumas músicas junto, duas ou três músicas. Melhor impossível, né? Junto ao mesmo tempo, foi maravilhoso.
W (DD): Muito legal. Você já citou a importância da família naquele começo, né? Você estava se referindo mais aos pais, ao apoio que eles deram. E agora todo mundo cresceu, casou, tem filhos e tudo o mais. A gente sabe que você têm uma ligação muito forte com as famílias e eu queria saber como é que vocês administram o lado pessoal com tantas viagens, vocês convivem juntos quando não estão trabalhando? Como é que funciona entre as famílias do Sepultura?
AK: Ah, é difícil, cara. Não é fácil, mas o apoio deles continua sendo fundamental, da minha esposa, dos filhos. Na medida do possível eles viajam junto pra alguns lugares interessantes. Nessa última turnê na Europa meu filho de 15 anos ficou 15 dias lá comigo, ele tá tocando guitarra também, curte o som, etc. Pra ele foi uma puta aventura. Minha mulher também, a gente procura passar uns tempos, ficar na Europa e viajar um pouco, pra descansar. Então na medida do possível a gente procura não ficar tão distante assim, hoje em dia a Internet também ajuda muito com Skype e conversar. Então a gente procura fazer o melhor possível, não é fácil, minha profissão também não é a única que demanda isso de o pai estar longe, então acho que eles entendem muito bem o por quê das coisas. A gente sofre um pouco de saudades, tanto aqui como eu na estrada, mas faz parte, acho que é uma saudade boa, de um carinho grande, de não ver a hora de voltar e estar junto. E é assim que eu mantenho minha família, trabalhando com o que eu faço e eu faço o que eu gosto, isso não tem preço. Eu já vi tanta família junto, que mora no mesmo teto e o pessoal não se conhece, irmãos e pai e mãe que não se falam e tem aquele horário, estão sempre juntos e é estranho isso aí. Não é uma coisa de proximidade física que vai fazer você ser uma família unida, acho que é o respeito, a situação, ao que é realmente e entendendo isso você tem muito mais condições de curtir ao invés de ficar se lamentando e chorando. Acho que é ver as coisas de um lado positivo e crescer com isso.
W (DD): Legal. A gente já tá terminando aqui o nosso papo, Andreas. Mas antes de terminar eu queria que você escolhesse mais uma música pra gente ouvir. Eu queria que você escolhesse uma música que você gostaria de ter seu nome assinado nela, que você teria composto essa música.
AK: Caralho, mano, é foda, hein?
W (DD): Pode escolher qualquer uma, “essa eu queria meu nome”.
AK: Acho que a música das músicas, uma coisa que está no inatingível ainda por muito e muito tempo é a música do Queen, a Bohemian Rhapsody, que eu acho que é uma obra prima, foi meu primeiro disco, “A Night at the Opera”, que eu comprei, meu primeiro vinilzão e até hoje eu acho uma das melhores músicas da História. Com certeza, se tivesse uma música que eu gostaria de ter escrito, teria sido essa.
W (NM): Bom, estamos chegando no final, Andreas. Queria te agradecer pelo tempo e desejar toda a sorte do mundo pro Sepultura e pra você também, que sempre foi um excelente, grande profissional, grande pessoa e antes de terminar eu queria só que você mandasse uma mensagem pra todos os fãs brasileiros do Sepultura que estão espalhados pelo mundo e qual conselho que você daria pra um moleque que está começando a tocar guitarra?
AK: Eu que agradeço a oportunidade de conversar com vocês, é sempre legal falar das coisas do Sepultura, principalmente por a gente estar tanto tempo longe do Brasil, tocando em várias partes do mundo, sempre representando o Brasil. E vou até deixar um abraço pra todos, agradecer o apoio de sempre dos fãs ao Sepultura, apesar de todas as mudanças de dentro e fora da banda. É sempre bom contar com o apoio de todo o Brasil, de casa. E o conselho pra quem está começando é: toca a música que você curte, independente do estilo, barulho ou não, melódico, axé, o que for, se expressa naquilo que você vai se sentir mais à vontade, vai se sentir confiante em defender e o resto é uma consequência disso. Prepare-se também em música, tente estudar, ver a possibilidade de outros estilos, de outras coisas e evoluir na música. Um dos melhores caminhos, uma das melhores opções de vida, sem dúvida é a música, mas tem que fazer o que gosta, tem que ser livre, tem que lutar por essa liberdade, porque tendo essa liberdade você vai crescer e vai realmente conquistar aquilo que você tá afim.
W (DD): Muito legal, Andreas. Mande um abração pro Eloy, pro Paulo e pro Derrick.
W (NM): E saudações tricolores, hein?
AK: Sempre, cara. Valeu, brigado. Abração pra vocês aí.
W (DD e NM): Valeu.
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