No dia 9 de dezembro, o distante Pepsi OnStage de Porto Alegre recebeu de casa cheia o Dream Theater, em sua última data com a aguardada The Distance Over Time Tour no país. Mesmo já tendo passado pelo Brasil mais de 10 vezes, a tour era mais que aguardada, pois há décadas os ardorosos fãs das lendas do metal progressivo salivavam pela execução, na íntegra, de Metropolis pt. 2: Scenes From a Memory, para muitos a obra prima dos americanos. 

A banda subiu ao palco às 21h30 com uma projeção ao fundo do palco que ensaiava uma narrativa sobre a busca do elemento humano na era em que a tecnologia que governa nossas vidas. Ao fundo, as primeiras notas de “Unthetered Angel”, excelente faixa que abre o último disco do quinteto. Como é de se esperar, a banda entra segura e implacável, mandando uma ótima apresentação de seu novo conteúdo. Flertando com a famigerada pegada djent, a faixa aquece a noite satisfatoriamente, com o refrão grudento e muito agradável. 

A primeira coisa que se faz notar é o volume da guitarra de John Petrucci: em altíssimo volume, o som distorcido da guitarra se faz ecoar grandiosa e pesadamente aos 4 cantos do Pepsi, sendo ele o maior responsável pela essência metal no palco. De todos os shows que vi na casa, certamente este obteve a melhor acústica. Do novo álbum, ainda soltaram “Paralyzed”, “Bastool Warrior” e “Fall Into Light”, dedicando quase que inteiramente a primeira parte do concerto ao novo trabalho. Se no disco as canções soam acessíveis e muito fáceis de gostar, ao vivo as músicas se tornam ambiciosas e emocionantes.

James LaBrie, desfilando pelo amplo palco com um pedestal temático da turnê, demonstra seu invejável controle vocal, trazendo um timbre limpo e cheio de feeling, como se o tempo não tivesse agido sobre ele. O vocalista fala pouco, e ouso dizer que sua atuação como frontman, às vezes, dilui-se na muy democrática posição de “mais um” entre os grandes músicos que o acompanham no palco. 

Alojado dentro do imponente kit de bateria no centro do palco, com pratos e tons há quase 2 metros do chão, Mike Mangini conduz todas as músicas com chipôs e conduções no alto, segurando quase 3 horas com um ou outro braço no ar. Só de olhar parece muito cansativo. Infelizmente, essa peculiar demonstração de resistência não compensa sua pegada, irretocavelmente técnica, mas ainda assim muito aquém da pressão sonora exercida pelos colegas de banda.

Nessa primeira parte houve espaço para apenas um clássico, e foi dos recentes. “A Nightmare to Remember”, calorosamente recebida pelos fãs, é a primeira grande exibição do Dream Theater consagrado por músicas de 16 minutos, variações atmosféricas e passagens instrumentais tão difíceis de memorizar quanto de realizar. A banda encerra a primeira parte com a hiper digressiva “Pale Blue Dot”, uma das faixas mais intrincadas e desafiadoras do último disco, e um verdadeiro deleite para os amantes do gênero.

Com um som de fundo destoante do universo metal, um ragtime-cabaret-instrumental anima o intervalo, enquanto os presentes comentam a atuação da banda e aguardam o segundo ato. As luzes se apagam, e um sonoro tic-tac dá início à contagem regressiva que abre o Metropolis pt. 2, introduzindo o grande momento da noite. O público faz a contagem junto ao voiceover, e a banda retorna com John Petrucci ao violão e LaBrie sentado numa das escadas laterais do palco.

O público canta as palavras de “Regression” com paixão efusiva, entrando de corpo e alma na viagem conceitual da obra, mas é com o combo “Overture: 1928” seguida de “Strange Deja Vu” que vemos o público na potência máxima. Esse êxtase voltaria a reger a noite em momentos onde imperam o virtuosismo e o emocional de temas como “Dance of Eternity” e, ao final, “The Spirit Carries On”. Impressionante também é ver Jordan Rudess, muitas vezes sem jeito em sua interação com o público, fazendo verdadeiros milagres nas teclas de sua estação móvel. 

Foi como se todos os excessos tivessem sido guardados para o segundo ato: o virtuosismo à exaustão, a afetação de um público vidrado e francamente emocionado, o deleite de um sonho vivido em uma noite quente do sul. Em todos os setores da ampla casa de show, as mulheres roubavam a cena: eram elas quem cantavam, música por música, todas as palavras, com belos destaques para “Through Words”, “Home” e “One Last Time”.

A irrepreensível performance John Myung é um show à parte, pois o baixista executa o setlist como se caminhasse entre as notas de seu contrabaixo, completamente absorto pela música do grupo e distante de nossa realidade. Com o público na mão, a banda executa o álbum na íntegra, mas a sensação é de se estar dentro da trilha sonora de um filme. Com os aplausos agradecidos de uma audiência um tanto cansada mas plenamente saciada, a banda deixa o palco ao fim da última “cena” do disco – “Finally Free”.

Para o bis, a banda trás a última da noite, “At Wit’s End”, mais uma do último álbum. O balanço geral é favorável: o Dream Theater não deve muito ao seu público, pois graças às constantes visitas, a banda deu muitas chances de se ver os clássicos em outras oportunidades. A passagem dos mestres do prog fica marcada pela exclusividade dessa turnê e pela importância dessa apresentação na vida dos fãs. O público deixa a casa plenamente realizado, satisfeito com o desempenho perfeito no palco, com as músicas novas que ampliaram o alcance do último disco, e com um grande concerto finalmente eliminado da lista de desejos.

Veja abaixo as fotos exclusivas da Daniela Cony para o Wikimetal.