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Discografia Comentada: Sarcófago

Confira mais um texto escrito por um de nossos WikiBrothers:

O grupo colecionou polêmicas, tretas famosas e blasfêmias, mas construiu um legado na história do Metal mundial que nem os seus desafetos podem negar”

por Marcel Ianuck

Como foi muito bem documentado por diversas revistas especializadas e o já lendário documentário Ruído das Minas, o estado de Minas Gerais no anos 80 era uma espécie de Seattle da desgraceira, no bom sentido. Ótimas bandas das vertentes mais extremas do Metal colocaram o Brasil como um expoente do metal mundial. As três principais bandas eram o Sepultura, Overdose (mesmo não sendo tão extremo, teve um papel importante na cena) e o famigerado Sarcófago!

A banda liderada pela dupla Wagner “Antichrist” Lamounier (voz e guitarra – ex-Sepultura) e Gerald GG “Incubus” Minelli (baixo) pegou suas influências de Destruction, Hellhammer, Venom e pisou fundo no acelerador, criando um som brutal, veloz e pesado, de uma forma até então desconhecida, exceto talvez pelos seus contemporâneos do Morbid Angel. O grupo também colecionou polêmicas, tretas famosas e blasfêmias, mas construiu um legado na história do Metal mundial que nem os seus desafetos podem negar. Das bandas de Black Metal norueguesas até artistas como Phil Anselmo e Ghost, muitos reconhecem até hoje o pioneirismo dos mineiros.

Os primeiros discos do Sarcófago realmente foram aqueles que marcaram época, mas toda a sua discografia merece atenção dos fãs de Metal extremo.

“Coletânea Warfare Noise I”: A gravadora Cogumelo Records teve um importante papel na cena metálica mineira, com diversos lançamentos lendários. Primeiro o split Sepultura/Overdose e, logo em seguida, essa coletânea que reuniu as importantes bandas Chakal, Holocausto, Mutilador e, claro, Sarcófago. No início do lado B, o Sarcófago já começa causando na sua vinheta de introdução Recrucify, literalmente “pregando” Jesus de volta na cruz e soltando a pedrada The Black Vomit logo em seguida, com a voz demoníaca de Wagner e a batida “metranca” (ou blast beats como é mais conhecida) do baterista D.D. Crazy derrubando os desavisados da poltrona. A outra música é a clássica Satamas, considerada na época a música mais veloz do mundo, com direito a grito estilo Tom Araya na introdução e blast beats do início ao fim.

“I.N.R.I”:

Um disco cru, direto, pesado e marcante!”

O clássico dos clássicos. Visual sinistro, corpse paint, moicano (D.D. Crazy), cintos de balas, pulseiras de pregos, cruzes invertidas, fotos bizarras em cemitério. Dos ruídos iniciais de Satanic Lust até a última nota de The Last Slaughter, o disco não deixa pedra sobre pedra. Os riffs e solos insanos de Zeder Butcher, a bateria porradaria de D.D. Crazy, o baixo direto de GG Minelli e o vocal doente de Antichrist nos trouxeram porradas sonoras como Deathrash, Christ’s Death, Ready to Fuck, a faixa título e Nightmare, um dos maiores clássicos da banda. As letras são pura provocação aos valores cristãos, seja falando do capeta ou com referências sexuais explicitas, tudo em um inglês bem tosco que gerou pérolas como as frases da música Desecration of Virgin: “He put the virgin of / ur/ Fucking your ass/ The orgy haven’t stop“. Aparece aqui uma nova versão de Satamas, tão boa quanto a versão do “Warfare Noise”, com um vocal diferente no início. Um disco cru, direto, pesado e marcante!

“Rotting”: Depois do lançamento do “I.N.R.I.”, o Sarcófago meio que parou por um tempo. Nessa época D.D. Crazy foi tocar no Sextrash e, quando a banda se reuniu novamente, foi substituído pelo baterista Manu Joker (hoje vocal do excelente Uganga). Wagner começou a tocar guitarra além de continuar no vocal e a banda inicia a gravação do, pra variar, polêmico “Rotting”. Antes do disco sair, Butcher sai e a banda continua como um trio. O disco é, na verdade, um EP com uma intro (The Lust) e 5 músicas, com a controversa capa onde temos um homem pós- espancamento sendo lambido por um esqueleto simbolizando a Morte. Se o homem não fosse muito semelhante a imagem que temos para Jesus Cristo, talvez não causasse tanto alvoroço. Wagner rebate, dizendo que a capa é “um cabeludo qualquer”, assim como Cristo era uma pessoa comum, na visão deles. De qualquer forma, o disco teve sua capa censurada em diversos países, o que ajudou a alimentar a polêmica existente com sua ex-banda, já que a gravadora americana lançou o disco com uma capa toda preta, com o logo da banda, nome do disco e um adesivo escrito “novo disco da banda do ex-vocalista do Sepultura”. Sobrou xingamento para os dois lados, claro!

Musicalmente, o Sarcófago mostrou que evoluiu e trouxe músicas um pouco mais trabalhadas, mas não menos rápidas e pesadas que o disco de estreia. As letras também começaram a mudar um pouco de foco, falando sobre diferentes temas, como na emblemática Sex, Drinks and Metal. Só sobrou para Jesus na faixa título Rotting, que também mostra uma sonoridade diferente, mais depressiva e arrastada, beirando o Doom. Alcoholic Coma abre o disco como um soco do Hulk Hoogan no queixo do Tatu da ilha da fantasia; devastador! Tracy fala de assassinato e necrofilia, e traz um andamento mais cadenciado nos versos, com o refrão mega veloz. Finalizando o disco, uma nova versão da clássica Nightmare, mais polida, com alguns teclados (por Eugênio Dead Zone, que acompanha a banda em estúdio a partir daqui), mas ainda assim ótima.

“The Laws of Scourge”:

A banda passou a fazer um Death Metal mais técnico, com riffs mais elaborados, passagens cadenciadas e solos até virtuosos”

Se podemos dizer que existe um disco da banda que fez “sucesso” foi esse, o que gerou acusações dos mais radicais de que a banda tinha se vendido. E parece que para irritar ainda mais o pessoal mais extremista, o Sarcófago mudou um pouco o seu visual, com roupas de couro, cabelos “tratados”, mas ainda com correntes, cruzes invertidas e cintos de bala, só que menos exagerados do que no começo. A banda começa a aparecer mais e conquistar novos fãs, que não necessariamente eram chegados em Death/Black Metal, porque passou a fazer um Death Metal mais técnico, com riffs mais elaborados, passagens cadenciadas e solos até virtuosos (cortesia do guitarrista Fábio Jhasko, que entrou para a banda nessa época). Ainda existe velocidade extrema (nesse ponto comandada pelo baterista Lúcio Olliver), mas as músicas estão mais complexas, com passagens mais climáticas e trabalhadas. O vocal de Wagner continua furioso como sempre, só que com menos efeitos para reproduzir aquele efeito de monstro que eram utilizados em algumas passagens antigamente. Polêmicas letras de Prelude to a Suicide e a regravada The Black Vomit (que teve sua letra censurada no encarte) causaram burburinho, mas as músicas que tiveram mais destaque foram as ótimas Screeches from the Silence, a brutal faixa-título e a arrastada Midnight Queen, que tornou-se uma das músicas mais conhecidas dessa época. Screeches from the Silence ganhou um videoclipe, algo difícil na época até para bandas com mais investimento por trás, mas que foi essencial para mostrar o Sarcófago para o mundo, visto que o vídeo apareceu nos saudosos programas de Metal da MTV brasileira, americana e até europeia, onde Wagner chegou a gravar uma histórica entrevista, que também não fez muito para amenizar as polêmicas com o Sepultura.

“Crush, Kill, Destroy”: Esse EP foi gravado na mesma época do Laws e contém duas músicas desse disco (Midnight Queen e Secrets of a Window) e duas músicas inéditas; Little Julie e a faixa- título Crush, Kill, Destroy que, com certeza, foi o mais próximo que o Sarcófago chegou
do Thrash Metal. Hoje esse EP é uma raridade e as músicas inéditas foram lançadas como bônus na versão em CD do “The Laws of Scourge”.

“Hate”: Talvez um dos discos que foi mais criticados na discografia da banda. Depois do sucesso do disco anterior, todos esperavam que o Sarcófago aproveitasse a exposição e lançasse um disco na mesma linha, mais trabalhado e cadenciado. Eis que a banda é reduzida a uma dupla, Wagner e GG, e é utilizada uma bateria eletrônica na gravação do disco. Só que como praticamente nada que o Sarcófago fez está de acordo com os padrões da sua época, a velocidade da bateria é absurdamente rápida, causando estranheza e rejeição, pelo menos em primeiro momento. As músicas também estão mais diretas e cruas, menos trabalhadas que no lançamento anterior. Ou seja, o pessoal que foi no embalo do Sarcófago só por causa do “The Laws of Scourge” abandonou a banda logo ali. A intro da primeira música, Song for my Death, já mostra a tônica do disco: bateria a velocidade da luz, riffs cortantes e vocal urrado e resgatando um pouco da crueza dos primórdios. Fora Orgy of Flies, que é mais arrastada, o disco segue numa porradaria sem fim, tornando em alguns momentos até um pouco cansativo, porque a bateria eletrônica nessa época não era tão sofisticada e não tinha tantas variações rítmicas. A música mais polêmica foi Satanic Terrorism, que descrevia os ataques do Inner Circle norueguês a igrejas, gerando acusações e até suposições de que o Sarcófago faria a sua versão do Inner Circle no Brasil. O fato do Wagner trocar correspondências com Euronymous (hoje falecido guitarrista do Mayhem e líder do Inner Circle) também não ajudou nada. A banda negou qualquer envolvimento ou ato de terrorismo no Brasil, alegando que a música apenas descreve os acontecimentos da época. As únicas fotos de divulgação feitas para esse lançamento tem a dupla Wagner e GG encapuzados com os rostos pintados de branco, detalhes nos olhos e boca estilo Alice Cooper, exceto pela singela cruz invertida na testa.

“Decade of Decay”:

Além de ser um prato cheio para os fãs, ajudou a manter o nome da banda na mídia, já que nessa altura do campeonato o Sarcófago não fazia mais shows e não tirava fotos de divulgação”

Coletânea lançada pela Cogumelo em 1995 com músicas de todos os discos do Sarcófago até então, as músicas do Warfare Noise e diversas músicas retiradas de demo tapes lançadas no início da banda. A capa é um remake da capa da demo tape “Satanic Lust”. No encarte uma colagem com diversas fotos de várias fases da banda, muita putaria e besteirada em geral. Além de ser um prato cheio para os fãs, ajudou a manter o nome da banda na mídia, já que nessa altura do campeonato o Sarcófago não fazia mais shows e não tirava fotos de divulgação, nem para as entrevistas feitas na época para revistas como Rock Brigade e Dynamite.

“The Worst”: Apesar do nome (O pior), considero esse o melhor lançamento da fase de dupla do Sarcófago. O uso da bateria foi melhor trabalhado, até por conta das evoluções tecnológicas da época, e as músicas foram mais trabalhadas que no “Hate”. Ainda existe as passagens velozes características da banda, só que elas foram melhor dosadas entre as partes mais pesadas e cadenciadas, costuradas com riffs mais elaborados e ainda assim pesadíssimos. O vocal de Wagner continua furioso mas também encontramos passagens mais graves e soturnas nas músicas, como faixa-título The Worst. O visual da dupla também gerou burburinho, já que eles aparecem no encarte de cabelo cortado e barba grande, com um visual mais “normal”, exceto talvez pela corrente que Wagner usava no nariz e orelha, estilo Rachel Bolan. Essa mudança foi inclusive tema da música Shave your head, que eles alegam terem feito porque naquele ponto ser cabeludo já não era mais sinônimo de roqueiro/metaleiro, já que tinha muito playboy que também estava aderindo ao visual e, por isso, eles resolveram radicalizar. Também se destacam as músicas Army of the Damned (the Prozac’s Generation), Plunged in Blood e a regravação de Satanic Lust. Como não podia faltar, a música Purification Process causou polêmica. Foi censurada no encarte por conta da letra que, reza a lenda, dizia coisas como “fuck the indians, fuck the browns, fuck the faggots”, dando a entender que era uma letra preconceituosa com apologia ao racismo, fascismo e outras ideologias de extrema direita.

A banda negou dizendo que estavam falando da purificação da cena musical, onde as bandas brasileiras estavam misturando Metal com música de índio, samba e outras coisas para gringo ver. “Coincidentemente”, no ano anterior, o Sepultura lançava o disco Roots com a participação do Carlinhos Brown.

“Crust”: Lançado em 2000, esse EP foi o último lançamento da banda até hoje. A nova sonoridade causou bastante estranheza, já que a produção é bem suja, barulhenta e caótica, com vocal inteligível até para os fãs do estilo, mais parece um animal rosnando do que um ser humano. Nas poucas entrevistas dadas na época, eles falaram que o EP era uma forma de remar contra a maré das bandas de Metal na época, que faziam um som agressivo mas muito polido para o gosto deles. A música F.O.M.B.M. (Fuck Off Melodic Black Metal) descreve bem esse pensamento, onde eles xingam bandas como Dimmu Borgir e Cradle of Filfh. Ainda temos no EP a faixa-título Crust, caótica Sonic Images of the New Millenium Decay, e a ótima Day of the Dead. Esse EP saiu como bônus no relançamento do The Worst em CD.

Depois disso, o Sarcófago sumiu do mapa. Wagner focou na sua bem-sucedida carreira profissional de economista e não tocou mais em nenhuma banda, fora ensaios com o seu projeto paralelo que nunca se apresentou ao vivo; a banda Crust Commando Kaos. GG Minelli se juntou alguns anos depois com Manu Joker, Fabio Jhasko e o vocalista Juarez “Tibanha” da banda Scourge, amigo de longa data da banda, e fizeram uma tour como Tributo ao Sarcófago.

Em 2009, pipocou o boato que o Sarcófago iria voltar, com Wagner no vocal, para alguns shows na Europa em festivais como o Wacken Open Air. O próprio Wagner negou o fato. Porém, daí em diante, o interesse na banda só cresceu. E o então recluso Wagner começou a aceitar dar entrevistas, como a revista americana Decibel, que fez um especial sobre o disco “I.N.R.I.”, colocando este no seu Hall of Fame, e a brasileira Roadie Crew.

Mas o que deixou os fãs loucos para um possível retorno foi a aparição surpresa do Wagner em 2013 num show do Mystifier em BH cantando Nightmare com eles, mostrando ainda estar em plena forma vocal, contrariando seus detratores que insistiam em fazer pouco caso dos seus dotes vocais, dizendo que sem os efeitos do disco sua voz não servia para nada (vejam no vídeo abaixo e tirem suas próprias conclusões). Mesmo se a banda nunca mais voltar a dar as caras, o Sarcófago tem o seu nome marcado com sangue na história do metal brasileiro e mundial e os fãs continuarão prestando tributo a música extrema criada por esses bastardos dos infernos. Hail Sarcófago!

*Este texto foi elaborado por um Wikimate e não necessariamente representa as opiniões dos autores do site.

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