Blackberry Smoke escreveu mais um capítulo na extensa carta de amor ao estado natal no álbum You Hear Georgia, lançado na última sexta, 28. As dez novas faixas promovem uma viagem prazerosa pelos campos verdejantes da memória dos músicos, que pintam com sons um quadro colorido e rico com o melhor do legado cultural do sul dos Estados Unidos.
Em entrevista ao Wikimetal, o vocalista Charlie Starr falou sobre o aniversário da banda, os bastidores do álbum e as polêmicas ao redor do uso da bandeira dos Confederados, símbolo do sul durante a Guerra Civil Americana, no século 19, frequentemente usada em episódios políticos recentes.
Ao dar play no sétimo álbum de estúdio dos residentes de Atlanta, o ouvinte inicia uma prazerosa viagem sensorial pelas raízes culturais do grupo – e não há guia melhor para apresentar a riqueza do southern rock do que uma banda prestes a completar 20 anos de carreira sólida, sem abandonar as origens nem ignorar as mudanças do mundo.
Marcado pela sonoridade solar mesmo nas músicas que permeiam temáticas mais políticas, como na crítica ao preconceito regional na faixa título, boa parte do projeto foi criada durante o lockdown estadunidense, longe da possibilidade de estar com as pessoas que são fonte de inspiração para as histórias contadas nas músicas. “Eu acho que fica um pouco mais fácil, porque se você fala sobre algo que ainda não pode ter, existe um pouco mais de desespero e é um pouco mais romântico, acho”, pontua Starr.
A criatividade do grupo também foi beneficiada pelo isolamento em outros aspectos, com sessões de composição por FaceTime e chamadas de vídeo. “Tecnologia é incrível, parece que estamos vivendo na era espacial”, comemora o vocalista. “Escrevi uma porção de músicas com amigos que provavelmente não teriam acontecido se não fosse pela pandemia. Acabei escrevendo mais porque estava trancado em casa e tive muita sorte porque gostei muito dessas, deu tudo certo”.
Enquanto faixas como “Live It Down”, “You Hear Georgia” e “All Rise Again”, parceria com Warren Haynes, nasceram do tempo extra em casa, outras tiveram a oportunidade de sair da gaveta após alguns anos de espera. Esse foi o caso “Lonesome for a Living”, que ganhou novos ares com a chegada de Jamey Johnson, e “Old Scarecrow”, que tinha sido “esquecida” no catálogo de composições do músico. “Eu estava escutando algumas demos e pensei ‘Nossa, eu amo essa música e tinha esquecido dela’. Esqueci! Não sou um organizador muito organizado”, brinca.
Se a tecnologia foi uma bênção para promover encontros que não seriam possíveis no mundo real, os lados negativos desse recurso não foram esquecidos no álbum. “You Hear Georgia” foi escolhida por Starr como a música mais indicada para apresentar o estado a um turista, mas a letra também acena para temáticas menos acolhedoras. “Essa letra é sobre as redes sociais e a mídia mainstream, sobre como as pessoas ficam focadas no que escutaram e rumores”, explica. “As pessoas ficam tão agitadas e nem sabem se aquilo é verdade, é um mundo louco no qual vivemos. Às vezes, você precisa julgar por si só e formular sua própria opinião, não seguir os outros só porque está online”.
Nesse cenário de intolerância, existem alguns tópicos que não podem ser ignorados. Muitas artistas baseados no sul dos Estados Unidos, de Tom Petty a Lynyrd Skynyrd, já exibiram orgulhosamente a bandeira dos Estados Confederados como uma forma de orgulho das raízes sulistas – algo impensável no contexto atual, especialmente após os protestos do movimento Black Lives Matter e a invasão ao Capitólio, onde a bandeira se torna símbolo de apoio aos ideais de supremacia branca.
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Quando era criança, porém, Starr se lembra de cenas “surreais” em que a bandeira e a própria guerra eram celebradas. Em uma excursão escolar para Stone Mountain, aos oito anos de idade, chegou a comprar itens que celebravam o exército local. “Nós éramos criancinhas e comprávamos essas coisas, não estava na nossa cabeça que etávamos celebrando escravidão, crueldade e racismo, não nos ensinaram isso”, narra. “Meu ponto desde sempre é que, quando olhava essa bandeira – e obviamente, sou branco – ninguém me ensinou que aquilo significa defender o racismo. Não entrou na nossa mente daquela maneira”.
Apesar de entender o uso da bandeira como uma apropriação por parte de grupos de ódio, Starr não defende o uso do símbolo. “Não me entenda mal, eu não vou hastear essa bandeira porque isso machuca as pessoas, então não usamos”, pontuou. “Mas olhando o lado da cultura do cancelamento, pensamos ‘Ok, se você quer cancelar todo mundo que já usou a bandeira, tem Keith Richards, Tom Petty…’ Chega um momento que é isso, ok, nós entendemos. As coisas possuem significados diferentes para cada pessoa, isso não é odioso, é apenas a verdade, um fato”.
Olhando em retrospecto sobre a excursão escolar com brindes confederados, Starr vê a situação com distanciamento histórico. “Fico pensando que é algo estranho para se comemorar de qualquer forma, não apenas comemorando a luta do sul para manter a escravidão, mas também celebrar que nosso país estava lutando”, pondera. “É uma coisa louca para se fazer uma estátua, tipo ‘Esse cara é um herói porque matou pessoas do estado vizinho’. Vamos aprender com essas merdas do passado e seguir em frente”.
Com a chegada de duas décadas de história, a banda fecha o ciclo com coerência e qualidade em You Hear Georgia. Com a possibilidade de turnês finalmente real nos Estados Unidos, o grupo prevê comemorações para além do disco, mas Starr não detalha os “planos especiais” para a data ainda. “O mais importante para mim é que estou orgulhoso que fizemos tudo do nosso jeito até aqui”, finaliza.
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