Black Pantera é uma das bandas nacionais mais potentes que surgiram no metal do Brasil nos últimos anos. Sem medo de se posicionar como uma banda antirracista e política, o power trio de trash metal formado por Charles Gama, Chaene da Gama e Rodrigo “Pancho” Augusto tem tudo que um grupo pode precisar: riffs pesados, vocais brutais, groove e atitude direta, com os dois peés no peito, uma mistura rara em um gênero dominado por brancos e supostos apolíticos.
Após oito anos de carreira, com passagem por palcos gringos em festivais como Afropunk, o Black Pantera lançou no começo do ano o avassalador Ascensão, terceiro disco de estúdio, em um retrato cirúrgico do cenário político e social do país diante das mazelas causadas por um sistema baseado na injustiça e violência.
É com o álbum que clama por “Fogo Nos Racistas” que a banda subirá ao palco do Rock In Rio, em setembro, com a participação especial do Devotos, horas antes do show do Living Colour no festival. Como contaram em entrevista ao Wikimetal, será uma noite de realização de sonhos pessoais, mas também de resistência na busca por representatividade e reconhecimento.
‘Capítulo Negro’ e pandemia
A pandemia foi um período intenso de criação para a banda, com o lançamento do impactante single “I Can’t Breathe” após a morte de George Floyd, e o EP audiovisual Capítulo Negro, com releituras de clássicos da música brasileira pautados no empoderamento negro
A banda já tinha “A Carne”, hino de Elza Soares, no repertório, e rapidamente decidiram pelo repertório com “Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro”, d’O Rappa, e “Identidade”, de Jorge Aragão. “A gente não conseguiu ficar quieto com essa pandemia, a gente achou que era hora de lançar algum material para os fãs da banda e percebemos que [a pandemia] ia demorar muito”, contou Charles. “A banda não parou e ficou um trabalho incrível”.
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O período de isolamento também trouxe uma base de fãs forte para o Black Pantera nas redes sociais, gerenciadas pelos próprios integrantes, que fazem questão de responder a cada mensagem recebida. “É até uma dica que a gente sempre dá pras bandas novas assim: você não pode ficar parado, não é só você chegar lá e fazer o show. Isso a gente já sabe fazer, todo mundo toca, né? Agora, de que forma que vou atingir uma pessoa que nunca me viu na vida, uma pessoa do outro lado do país ou do mundo?”, aconselhou Rodrigo.
Com a pressão do algoritmo por produção de conteúdo constante e em mídias diferentes, os mineiros não se sentem pressionados a fugir da arte para ter visibilidade, pelo contrário – enxergam uma oportunidade de crescimento que tem rendido bons frutos ao grupo. “O mundo é muito imediatista, apenas estamos usando a plataforma a nosso favor, produzam conteúdos que as pessoas vão gostar e vai dar bom”, completou Chaene.
Novo álbum ‘Ascensão’
O novo disco chega com uma força estrondosa e feita para o ao vivo. “Acaba sendo até involuntário compor as músicas já pensando nisso, [pensando] ‘Véi, isso aqui hora que começar, tenho certeza que vai ter um a galera vai banguear, essa aqui a galera vai pular, essa aqui a galera vai agitar muito”, contaram.
Com a experiência dos álbuns anteriores, o Black Pantera não precisa de estrofes longas para passar mensagens profundas e cirúrgicas sobre a sociedade, escancarando a hipocrisia e crueldade do sistema no novo álbum.
“É como se o mundo precisasse que a gente falasse sobre essas coisas, então a gente estudou estudou muito sobre todas as questões e a gente se desconstrói todos os dias, porque a sociedade, a sociedade é machista, homofóbica e a gente acaba replicando essas coisas também”, explicou Chaene. “Então as letras foram vindo pra esse disco da necessidade de falar do assunto, de tentar atingir o público de uma forma que ele entenda”.
Política e metal se misturam, sim
A banda não descarta temáticas mais leves, por assim dizer, em trabalhos futuros. “Vai ter uma hora em que a gente vai conseguir compor a música sobre um cara e uma mina, sabe? Trocando uma ideia massa, uma canção bem ‘Eduardo e Mônica’. A gente vai conseguir fazer isso num determinado momento da vida, mas realmente a urgência [de temas sociais] é muito gritante”, disse Charles. “Eu não tinha tanta visão quando eu era mais jovem, eu só queria rock and roll, bebida e show, com o tempo você vai vendo essas questões”.
“Em um país onde um preto morre a cada vinte e três minutos, não dá para a gente, como uma banda preta e com nome de Black Pantera, falar sobre outras coisas. É uma realidade cruel, a homofobia e machismo também assassinam, somos totalmente contra o governo negacionista, homofóbico, racista e corrupto”, continuou Chaene.
No meio do metal, não é incomum ouvir uma parte considerável do público defender que música não se mistura com política, com admiradores de Rage Against The Machine demonstrando choque e decepção com declarações políticas da banda conhecida por “Killing In The Name” – e isso também acontece com o Black Pantera.
“Hoje mesmo vi o comentário de um cara falando que ia deixar de seguir a banda por causa de ‘Fogo Nos Racistas’, [ele disse]: ‘Vou parar de seguir porque começaram a misturar política no som’. A banda tem oito anos, o cara nunca entendeu nenhuma letra nossa até hoje”, se divertiu o baixista.
“Tem muitas bandas aí [que não falam de política], principalmente no mainstream, acho que elas estão num comodismo de não querer perder algo, e não se posicionam, né? Cabe a nós, bandas em ascensão, como Black Pantera e tantas outras no meio underground, que são as bandas que tocam na ferida. Porque tem muita banda que fala sobre isso, só que às vezes não tem tanta visibilidade”, completou Rodrigo. “É muito bom poder tocar no Rock In Rio, porque a gente vai ampliar essa essa voz nossa, ao vivo para milhares de pessoas, quero ver pegar fogo no dia 02 de setembro”.
Black Pantera no Rock In Rio
Sem dúvidas, o Rock In Rio é um dos maiores sonhos para artistas brasileiros. Black Pantera finalmente estará no Palco Sunset do festival, em 02 de setembro, o famoso “Dia do Metal” no evento, ao lado de ídolos como Devotos e Living Colour, principal atração do palco em questão neste dia.
O convite levou Charles de volta aos tempos de correr atrás da discografia da banda na juventude, antes das facilidades como YouTube, quando eram poucos os materiais disponíveis sobre o grupo no Brasil “Eu tenho realmente um sentimento de orgulho, gratidão e de corre feito com sucesso, sabe? A sensação é quase de morrer, né?”, disse. “Imagina, eu aqui em Uberaba, e um dia estar tão próximo dos caras assim que foram referência total na minha vida e dos meninos também”.
Cannibal, do Devotos, foi o primeiro ídolo a entrar em contato com a banda pelas redes sociais, tendo enviado até uma camiseta e posado vestindo uma do Black Pantera. Por isso, quando surgiu a oportunidade de levá-los para o festival, a banda não teve dúvidas. “Se o Black Pantera está correndo, é porque o Devotos andou lá atrás”, disse Chaene. “Eles são muita referência, acho que as duas bandas nesse palco será algo histórico”.
O sonho será realizado de ambas as partes: do Black Pantera de dividir o set com uma grande referência e do Devotos, que tinha citado o festival como um dos sonhos da banda recentemente. “Imagina eu ligando para o cara, falei: ‘Você tem um sonho fodão de tocar no Rock In Rio?’ Então tá, vamos ver se a gente consegue, e ele não acreditou”, lembrou Chaene. “É uma representatividade imensa poder falar que teremos no Dia do Metal ter bandas pretas ali”;
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