Texto por Thiago Pimentel, uma parceria com o coletivo Preto no Metal

Rock. Rap, funk. Soul, blues, samba, reggae. Você saberia dimensionar a influência negra nos gêneros musicais? Nesse contexto, quais fronteiras delimitam as principais categorizações da música? E quais os limites possíveis para articular, cruzar e modificar essas expressões sonoras? 

Questionamentos amplos que, aos poucos, expandem seu alcance para além dos muros das universidades. Mas que ainda seguem, felizmente, sendo respondidos e reafirmados pela arte. Este é o caso de PERPÉTUO, o quarto (e mais recente) álbum da banda mineira Black Pantera. E que, em seus 38 minutos – distribuídos em 12 composições –, mostra a habilidade do grupo em articular (bem!) diversos gêneros musicais. 

Rock? Influência negra? O trio – formado por Charles Gama (vocal e guitarra), Chaene da Gama (baixo e, agora, vocal) e Rodrigo Pancho (bateria) – vem, desde 2014, lançando trabalhos sólidos (com destaque para o disco Ascensão, de 2022) e, gradativamente, aumentando seu público. O feito é ainda mais relevante se pensarmos que são músicos negros, de Uberaba (MG), tocando rock e que hasteiam a bandeira antirracista, a bandeira preta (literalmente, na capa do álbum). Tudo isso cantando em português. 

A intenção de resgate das raízes ensanguentadas do povo negro, no processo colonial perpétuo, quanto da história do próprio rock é declarada. Mais: aqui o Black Pantera amplia seu vocabulário na música negra. Após o excelente Ascensão (2022) e diversos shows bem-sucedidos pelo país, o que esperar do Black Pantera em 2024? 

A resposta começa na introdução: primeiro single lançado, “PROVÉRBIOS” é uma faixa direta, com refrão fácil, e que traz os elementos punk-metal costumeiros. Mas algo soa diferente. Há uma maior acessibilidade, tanto em termos de arranjo quanto de mixagem, e uma convicção lírica ainda mais efusiva que nos trabalhos anteriores. Ecos de Lélia González são reverberados nas palavras afrolatinas da banda. O Black Pantera traz, aqui, perspectivas teóricas para o campo, para a arte – descolonização! Mais do que nunca o pretoguês está presente nas letras, inclusive.

O ponto de virada: os vocais (mais limpos) de Chaene da Gama entram em cena, mas despontam principalmente na faixa-título e que, de uma vez por todas, mostra o trio buscando outras possibilidades sonoras. Por exemplo, o baixo ganha ainda mais protagonismo em linhas mais soladas e, nesse ponto, o ouvinte pode notar uma ênfase em uma dinâmica nova: a troca de vocais entre os irmãos Gama.

Processo que segue, também, o fluxo das faixas, pois “BOOM” retoma o peso e agressividade (com uma ótima execução de Charles, nos seus drives vocais) para, em seguida, “TRADUÇÃO” dar ainda mais espaço para o canto limpo de Chaene.

Reforçada com um belíssimo clipe, lançado no Dia das Mães, “TRADUÇÃO” é guiada principalmente pelo baixo e vocais do baixista em uma bela homenagem às mães negras. As escolhas sonoras devem comover, em especial, os saudosistas do rock nacional dos anos 2000 – principalmente nomes como Charlie Brown Jr. e O Rappa. A letra, novamente, traz discussões em torno de raça, classe e gênero no contexto social brasileiro. Mas o papo é reto: a mensagem é disposta de maneira acessível e que, apesar do foco, é tocante em um sentido mais amplo.

E cadê o peso? Ele ressurge bem dosado, com passagens funk, na excelente “FUDEU”. A mistura entre o groove e agressividade é feita de forma que a situação, ilustrada na letra, se conecta com a intensidade instrumental – que “responde” as nuances dos versos.

O “sarrafo sobe” com a ótima “PROMISSÓRIA” (cuja letra reflete sobre as consequências da escravidão), “CANDEIA” – aqui a bateria de Pancho é o destaque trazendo o maracatu ao vocabulário rítmico – e “BLACK BOOK CLUB”. Nessa última, o riff principal, de groove roqueiro, não ficaria deslocado em nenhum trabalho do Rage Against the Machine. Os ganchos dos refrãos e backing vocals indicam uma das que, ao vivo, pode engajar o público. Se trata de uma trinca de canções que não só reflete, mas convoca para um agir revolucionário. Pois é, ler o “livro preto” é essencial para a sobrevivência das pessoas negras.

Passando da metade do disco, pode-se perceber – ainda numa primeira audição – que não apenas os arranjos investem em diversas dinâmicas, mas a ordem das faixas também favorece o fluxo e diversidade. O passeio entre sonoridades múltiplas é executado de forma fluída. Tivemos o peso. Mas e a velocidade? A curta “SEM ANISTIA” surge de forma abrasiva. a catarse hardcore/thrash metal dá vazão ao posicionamento da banda sobre os fatídicos atos pró-golpismo, de 2023, em Brasília. De longe, a mais agressiva do disco e que, suponho, pode ganhar alguns replays durante os shows – Deus, Pátria, Família, Golpe de Estado!

Fechando o trabalho, “MAHORAGA” (com título que faz referência ao mangá/anime Jujutsu Kaisen), “METE MARCHA” e “A HORDA” mantém o nível. A derradeira vem para saciar os fãs dos momentos mais pesados do grupo. É uma das que Charles mais destaca em riffs (e solo, inclusive), além de entrar na lista das que, provavelmente, funcionará bem para os momentos mais enérgicos nos palcos. Em menos de 40 minutos, PERPÉTUO encerra e convoca para outros plays.

O que seria do mundo sem a música preta? A indagação é uma das mais potentes levantadas pela banda e, não por acaso, integra a faixa-título desse registro. No centro dessa encruzilhada, de rica história musical negra, o Black Pantera situa PERPÉTUO. Sob a forma de um dos gêneros musicais de origem negra mais associados, hoje, à branquitude, os mineiros conectam outros ritmos e influências pretas. E é o groove, a conexão entre os músicos, que dá a liga e traz coesão às diversas passagens e influências da banda, além da segurança do posicionamento social e político.

Como resposta aos questionamentos levantados no início desse texto, o Black Pantera modula sua música, sua arte. E traz acessibilidade aos momentos pesados e, às vezes, experimentais demais para um público amplo. As possíveis respostas estão nas letras, mas principalmente na música – no groove – na subjetividade. Que venham mais álbuns, shows e, pelo visto, a entrada ao mainstream.

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