Black Pantera foi a banda responsável por representar os headbangers no Lollapalooza Brasil neste domingo, 26, em um show que levou som pesado e alto ao palco Adidas, com homenagens de Racionais MCs ao Blink-182,  e levantou poderosas críticas sociais – inclusive ao festival. 

Um ponto fora da curva de rock alternativo do festival, a banda foi escalada para se apresentar no primeiro horário, às 12h40, pouco mais de uma hora após a abertura dos portões. Se pontuamos aqui o problema de deixar uma banda como Rise Against isolada de noite na sexta-feira, a situação foi menos favorável ainda ao trio mineiro, uma vez que a locomoção para chegar ao Autódromo de Interlagos é um desafio, especialmente no domingo, em um dos palcos mais distantes das entradas.

Mesmo assim, a banda conseguiu reunir um público surpreendente para o horário, que cresceu conforme a apresentação seguia, e a plateia compensou em energia desde o começo com “Padrão É o Caralho”.

A presença da banda no festival é uma interessante e necessária contradição da lógica do evento, uma vez que o ambiente inegavelmente elitista do Lollapalooza Brasil é parte do alvo da crítica feroz e direta do Black Pantera – e a banda não abaixou o tom em momento nenhum.

Diante da notícia revoltante do resgate de trabalhadores em trabalho análogo à escravidão na montagem do evento, o posicionamento da banda foi explícito sobre os caso: “Não tem lugar hoje em dia para escravagista”. 

No hino “Fogo nos Racistas”, a banda convocou o público para cantar bem alto e “queimar qualquer racista filho da p**a” do lugar, trocando a letra da ponte para abarcar outros opressores que merecem ser queimados figurativamente. “Fogo nos racistas! Fogo nos fascistas! Fogo nos machistas! Fogo nos escravagistas”, bradou Charles, acompanhado fortemente pela plateia.

Aos que reclamam da militância “excessiva” da banda, como se racismo fosse assunto pouco urgente, o Black Pantera dá um show não apenas no discurso, mas no som arrebatador e presença de palco contagiante, principalmente em faixas como “Godzilla”, na qual o encontro de guitarra, baixo e bateria avassaladores são destaque absoluto. 

Nesse ponto, como faz em palcos de todos os tamanhos, de shows gratuitos da banda ao Rock In Rio, o vocalista desce para tocar guitarra e bater cabeça no meio da galera, que entra numa roda com o músico. Essa energia de conexão, de fazer o show junto com o Black Pantera, animou o mosh exclusivo de mulheres debaixo do show escaldante e proporcionou um paredão da morte no Lolla

Black Pantera toca clássico do Blink-182 no Lollapalooza

Outro ponto alto do show foi o inesperado cover de “I Miss You”, do Blink-182, que deveria ter se apresentado no festival no último sábado, 25, mas cancelou a apresentação na edição deste ano. Com Chaene nos vocais, a banda desacelerou em peso, mas mostrou uma faceta diferente da própria musicalidade e teve a homenagem muito bem recebida pelo público. “A gente queria muito ver e não rolou”, explicaram.

Outras homenagens também foram feitas: Elza Soares foi aplaudida antes da versão de “A Carne” do Black Pantera, com um trecho de “Negro Drama”, do Racionais MC’s, cantado no meio da canção. Marielle Franco também foi lembrada no telão.

Num piscar de olhos, o show responsável por abrir os trabalhos do terceiro e último dia de festival passou, impressionando até mesmo fãs de outras bandas que aguardavam pelo local. Apesar do isolamento enquanto banda de metal em um evento majoritariamente pop e indie, do horário desafiador e de todas as problemáticas deste e outros festivais de grande porte brasileiros, o Black Pantera não chegou até aqui sem saber conquistar os espaços. E com um show com técnica, groove, peso irresistível e significado para além da música, foi exatamente isso que fizeram no Lollapalooza.

Veja as fotos do nosso colaborador Renan Facciolo abaixo.

Trabalho análogo à escravidão no Lollapalooza 2023

De acordo com matéria da Folha de São Paulo, a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nas instalações do festival, trabalhadores contratados por uma prestadora de serviços do Lolla estavam em condições degradantes, com jornadas diárias de 12 horas de trabalho, sem poder retornar para casa e dormindo em colchonetes para fazer a segurança de fardos de bebidas de noite.
Apesar de denúncias em edições anteriores, a produtora Time For Fun informou em nota enviada ao jornal que “considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas”.