O Hibria está de volta, e para marcar esse retorno, Abel Camargo, guitarrista e fundador, e seus novos parceiros de palco resolveram fechar o bar Opinião para uma noite única. O show marca o retorno da banda aos palcos, que agora vem com seu sétimo disco, Me7amorfosis, em explicita referência à transformação radical no lineup do quinteto.
No entanto, os reis do speed metal nacional estão provando que é possível que alterações como essas sejam parte de algo maior. Já é dado que as bandas brasileiras mais importantes (salvo o Krisiun) sofrem rupturas totais em seus elencos no auge de suas carreiras, e com o Hibria, isso não foi diferente.
Após uma vitoriosa carreira, longa discografia e uma vida de ótimos reviews e turnês mundiais, 4 dos 5 integrantes abandonaram o barco gaúcho por bem. Desde então, os músicos deixam claro que permanecem amigos, e na sexta-feira, 22 de julho, o reformulado Hibria entra em cena para reafirmar sua nova formação, e ao mesmo tempo comemorar o reinício entre os irmãos “hibrianos” que passaram pela banda nos últimos 20 anos. A banda ainda anunciou que os ingressos seriam 2 por 1, ceva dose dupla, que os shows iniciariam bem mais tarde que o usual, e finalmente que o Opinião ia seguir até as 5 da manhã. Não deu outra: casa cheia!
A banda anunciou também que teria atrações de abertura, que no fim fizeram da noite um mini-festival, que rolou enquanto uma chuva forte se anunciava para a madrugada. A primeira banda foi o It’s All Red, banda tradicional da noite metaleira gaúcha, com influências muito diversas e altíssima performance, tanto instrumental quanto vocal! O espectro de atuação da banda se concentra em qualquer lugar entre o post e o core, que entra com “Boneless”, mas quando o bicho pega, o grupo busca no metal as fórmulas para seu som explodir.
Os vocais de Tom Zynski em “Integrate Forever” e “Lead by the Blind” são realmente impressionantes, assim como a persona que os entoa – há uma liberdade invejável na forma como conduz as letras no palco. Para além disso, o cantor traz um arsenal de técnicas, que nos levam para diferentes paisagens do som pesado, como o new metal, o screamo e outras paradas disruptivas. Tudo isso acomodado pela cozinha linha dura de Renato Siqueira (bateria) e Carlos Loureiro (baixo) e por comoventes duetos de guitarras e harmonias multimodais de Daniel Nodari e Rafael Siqueira (guitarras). A banda contou com Lucas Zawacki (Mortticia, de Porto Alegre) para um belo duo em “Power to Let Power Go”, abrilhantando a noite. Uma bela surpresa saber que eles estão há 15 anos por aí, mas isso explica como eles são capazes de se guiar pelos arranjos labirínticos e grooves super graves. A banda ainda dedicou “Gemstone” a Lohy Silveira, eterno frontman da Rebaellion, falecido este ano, e encerrou com “Killing a Dead Tree” e “Poisonous”. A banda deixou uma boa impressão nos presentes, que já começavam a tomar as instalações do bar Opinião.
A noite seguiu com a banda paulista Alchemia. No pôster: corpse paint; no palco, a banda traz vocais limpos e sujos, riffs e atmosferas, e bebe de fontes sagradas do heavy metal. Na make e no som, o quinteto pesa na mão. Um pouco mistificado pelas informações ali dispostas (a presença de palco, o corpse paint e a indumentária, a pegada narrativa com ótimos riffs), a apresentação ao vivo dos rapazes revolveu por toda a apresentação em um grande mistério na minha cabeça – exatamente o que se espera de uma banda de horror metal.
É a velha cachaça de categorizar tudo: o vocalista vem vestido de Rob Halford, canta como tal, mas a banda muitas vezes se encontra nesse mesmo agudo, mas numa linha mais King Diamond, o que torna tudo muito mais interessante, já que bandas com esse estilo são escassas, como o Attic, o Midnight Priest, que vieram a minha cabeça como elogios ao Alchemia. Um destaque absolutamente marcante foi os timbres e a mix do tecladista Wally D’Allesandro, que trouxe atmosferas sombrias e ambientações cinemáticas com um profissionalismo raro no posto das teclas. E que volume!
Como um todo, a banda parecia empolgada por estar trazendo seu trabalho ao canto sul do país. Alguma coisa fazia com que os músicos demorassem demais pra ligar uma música na outra, algo que eles poderiam resolver, se fosse possível. Até o fim, permaneceram as influencias pairando em minha mente, cheias de pontos de interrogação – Ghost? Candlemass? Heavy? Gótico? Doom? – mas no fim concluí que o setlist do Alchemia é matador, um prato cheio pros estilos citados, e só me resta saudar os vocais de Victor Hugo Piiroja, a guitarra de Rodrigo Maciel, o baixo de Fifas e a bateria de Alex Christopher, além do já referido Wally.
E assim, já passado da 1h da manhã, chegamos à atração principal – o Hibria entrou com brilho no olhar ao se reencontrar com fãs e amigos conterrâneos. A banda havia feito seu primeiro show com a nova formação em 2019 (temos resenha aqui no Wikimetal), mas apesar da ótima estreia, tiveram de se isolar durante a pandemia – período em que consolidaram de vez sua nova cara neste Me7amorfosis. A expectativa em relação ao Hibria gira em torno de sua trajetória de sucesso, e da questão que se desenha: como a banda irá desfrutar desse legado? Como superá-lo?
A resposta que o Hibria nos dá é uma lição valiosa: foque no trabalho, e mantenha o lazer entre amigos. Abel Camargo se coçou para encontrar Otávio Quiroga (bateria), Bruno Godinho (guitarra), Thiago Baumgartem (baixo) e Victor Emeka (voz), e agora que a terra já deu suas voltas, que já gravaram um disco muito bem aceito por fãs e crítica, que Emeka incorporou o sonho-missão de ser o frontman dessa banda, e que o mundo se reconfigura para o retorno das tours, é hora de iniciar os trabalhos. Antes do anúncio de datas futuras, Abel decide dar o pontapé Hibria na casa da banda, o Opinião, praticamente em família, e para a alegria e êxito desta baita noite, convida muitos músicos que rodaram o mundo com a banda, responsáveis por baixos e guitarras em álbuns como Silent Revenge, Blind Ride e os emblemáticos Skull Collector e Defying the Rules.
O set foi um presente para os fãs, e um verdadeiro convite a conhecer o repertório destruidor da banda, caso alguém tenha passado os últimos 20 anos numa caverna. A banda entrou com “War Cry”, com Victor Emeka voando alto nos agudos, enquanto a banda exalava novidade e motivação. O vocalista assume as honras da noite a vibe de churrascada toma conta, ao anúncio de Benhur Lima (baixo), que gravou o histórico debut. Os gaúchos voltaram no tempo com dois baixos no palco, esmirilhando os arranjos intrincados de “Millenium Quest”.
A banda seguiu com muito punch em “Shoot me Down”, e então chama André Meyer para a dobradinha clássica de vocais em “Silent Revenge” com o vocalista da Distraught. Em uma entrega à flor da pele, a banda põe a casa a baixo. Emeka anuncia um ‘lado b das antigas’, então Diego Kasper (guitarrista da primeira formação) vem ao palco para o grande hino da banda, “Steel Lord on Wheels”, para muitos a mais aguardada do set. O fato de tocarem-na tão cedo no set mostra que o Hibra valoriza suas origens, mas que ainda tem muito por vir.
Abel pega o microfone, lembrando a casa da recente perda de Lohy, seu companheiro de luta no underground gaúcho. A ele, foi dedicada um dos singles do novo do Hibria, “Meaning of Life”, power ballad de alto nível que recebeu uma resposta emocionada da plateia.
De Me7amorphosis, a banda ainda mandou o single “Fearless Will”, que contou com um fã emocionado, que subiu no palco e canto a letra inteirinha com a banda. O garoto aproveitou o momento sem nenhuma vergonha, e Emeka, consentindo com sua presença, acabou transmitindo uma ótima vibe para o público, chegando a dividir o microfone com o fã em alguns momentos. Também teve “I am so lonely”, não exatamente um destaque do disco, mas que funcionou ao vivo. Pra fechar, o hino da nova fase do Hibria, “Shine” foi cantada a plenos pulmões pelos presentes, e mostrou que o vocalista do Hibria está seu ápice vocal.
A banda sai rapidamente, e em seu retorno traz Renato Osório, um dos guitarristas mais icônicos da cidade, entrou no palco a la Steve Vai gaúcho e destruiu no blues virtuose de “Leading Lady”. A banda fecha a noite com Marco Panichi (baixo) em “Tigerpunch”, mais um clássico, infelizmente o último da noite, deixando os fãs no vácuo quando imploraram por mais. Já era quase 3 da manhã, a chuva desabava, e o show virava festa, fim de expediente para os astros da noite.
O Hibria vive o ótimo momento do metal melódico no Brasil, e em breve estará desfrutando de seu legado e árduo trabalho em volta do globo. O Brasil e o público ganham muito com esse grande retorno, traz um frontman que não deve nada aos figurões do estilo, e deixa sua marca com um retorno aguardado e celebrado.
A nossa colega Alessandra Felizari esteve por lá e fez registros incríveis. Confira!