O Metal enfrenta o que as pessoas têm medo. O Metal admira as coisas que a sociedade desdenha. O Metal celebra o que todo mundo nega.”

 

A PROFECIA AUTO-REALIZÁVEL

Por Daniel Dystyler

Dov Eden é um americano naturalizado israelense.

Ele é Ph.D. pela Universidade de Michigan, e esteve recentemente no Brasil para uma série de palestras que giravam em torno do seguinte tema:

A Profecia Auto-Realizável.

O conceito da “Profecia Auto-Realizável” é bastante simples:

Basicamente ele diz que, quanto mais as pessoas acreditam em uma coisa, mais elas se comportam de forma a contribuir para que essa coisa aconteça. E com isso elas influenciam o resultado dessa coisa, e no fim das contas, na maioria das vezes, a coisa acaba acontecendo.

Simples, né ? Na verdade, óbvio…

Funcionários que acreditam que o ano de trabalho vai ser ruim, trabalham de forma desmotivada, sem foco, sem “sangue nos olhos“, preocupados com seu emprego, e no fim das contas, esse comportamento acaba contribuindo para que o ano seja realmente ruim. A promessa de um ano ruim acaba se tornando realidade. A profecia, se cumpre.

Da mesma forma, jogadores de um time que realmente acreditam que vão ganhar, têm uma postura (dedicação, confiança, comprometimento, doação, foco, companheirismo) que realmente influencia na performance do time, e com isso, eles vão influenciar o resultado, e possivelmente vão ganhar. Eles vão auto-realizar a Profecia deles.

Na década de 80, eu era apenas um adolescente, fã de Heavy Metal, Roadie do Viper (aliás, muito feliz com esse “cargo” não-remunerado), vidrado em Iron Maiden e videogames do Atari na época) que não me preocupava (e nem sabia) nada disso. Palestras, trabalho, vida profissional, profecias auto-realizáveis, eram coisas que não pertenciam ao meu dia-a-dia.

A minha rotina habitual na época, consistia em sair do colégio perto da hora do almoço e andar por 30 minutos até a minha casa e depois do almoço encontrar a turma do Viper. Mas essa rotina mudou durante o mês de Outubro de 1985.

Ao invés da tradicional caminhada, eu pegava um ônibus chamado “Avenidas” que ia na direção oposta de casa. O ônibus subia a Av. Angélica e entrava na Paulista. Eu descia perto do Gemini (também conhecido por nós paulistanos como “Prainha”, piada pronta pra qualquer carioca) e eu entrava em uma loja de discos que lá existia.

O vendedor já sabia o que eu ia perguntar, mas mesmo assim ele deixava que eu formulasse a pergunta que consistia em uma palavra:

– Chegou?

Meio sem jeito, quase pedindo desculpas ele respondia:

– Ainda não. Talvez amanhã.

Eu agradecia, virava as costas e começava a longa volta pra casa. No dia seguinte o ritual se repetiria. Por 6 dias, essa foi a minha rotina.

E eu insistia, pois era óbvio que era ali, naquela loja (que também era importadora), que seria o 1º lugar em São Paulo que “o danado” chegaria (antes mesmo de chegar à lendária Loja Woodstock no Anhangabaú ou à Galeria do Rock que na época estava apenas começando seu apogeu).

No 7º dia ao entrar na loja, o vendedor veio todo sorridente e antes mesmo de me deixar fazer a pergunta, quase mais feliz do que eu, afirmou:

– Chegou!!!

15 segundos depois eu segurava nas mãos, o LP do Live After Death, com certeza o álbum que eu mais aguardei na minha vida.

Essa breve história verídica do meu passado adolescente é só pra todos tentarem se tele-transportar e lembrar a sensação de ansiedade e alegria que era esperar o LP de uma das suas bandas favoritas: Abrir o encarte, ver as fotos, os detalhes da capa, colocar o vinil na vitrola pra acompanhar as letras…

(palavras como “LP”, “encarte”, “vinil” e “vitrola” na mesma frase não me ajudam nem um pouco na tentativa de parecer mais jovem, mas enfim…)

Roadies Of Sunrise: Rafael Masini e Daniel Dystyler, anos 80

Muita gente importante já escreveu na Tribuna de Honra do Portal Wikimetal sobre essa ansiedade e como valorizávamos cada conquista dessas. O próprio livro colaborativo que estamos começando a escrever (e contamos com a sua ajuda) – Fúria, a história e as histórias do heavy metal no Brasil – fala sobre isso em seu Prefácio.

Por isso, não preciso chover no molhado: Todo mundo já entendeu como isso era especial nos anos 80, começo do movimento Metal no país.

E todo mundo também já sabe de todas as mudanças que passamos, do declínio do movimento nos anos 90, a falta de apoio, os lugares que foram fechados, etc.

Disso, todo mundo já sabe.

O que nem todo mundo sabe (ou não percebeu) é a grande mudança que começou lentamente alguns anos atrás e tem ganhado cada vez mais força e velocidade. Tal qual a locomotiva desgovernada do Angus Young no vídeo de abertura da última tour do AC/DC, o Metal no Brasil vai ganhando uma força avassaladora.

Shows lotados. Bandas Novas. Bandas Velhas (melhores como vinho). Lançamentos sensacionais. Revivals de bandas. Reportagens específicas (confira A tribo de preto que não para de crescer na Veja), uma nova geração de fãs, Headbangers “das antigas” voltando ao movimento, e muito mais.

Tudo isso é a sinalização que um novo tempo chegou.

Não nos enganemos: O nosso Movimento sempre será minoritário. Heavy Metal é Underground por definição. Aliás, como o brilhante Sam Dunn já disse, o Metal enfrenta o que as pessoas têm medo. O Metal admira as coisas que a sociedade desdenha. O Metal celebra o que todo mundo nega. E é por isso que Heavy Metal sempre será uma Cultura dos Excluídos.

Mas 35 anos depois que o Black Sabbath tocou a nota do demônio pela 1a. vez, a Cultura dos Excluídos continua crescendo e prosperando. Cada vez mais. Mais gente tem se juntado à essa Cultura. Mais gente “pra ajudar a empurrar“.

E como o Celso Barbieri disse, “o Metal vai chegar lá“: Não vamos “apenas” lotar estádios (como já fazemos hoje em dia embora o nosso som não toque em lugar nenhum e não receba nenhum apoio).

Vamos também ter uma cena completa, com bandas tratadas com dignidade, respeito e ganhando grana. Com shows em lugares decentes para bandas Nacionais e Internacionais. Com Serviços muito diferenciados para os Headbangers. Com ruas e lojas dedicadas ao Metal. Um comércio, milhares de pessoas trabalhando, camisetas, broches, discos, guitarras, cabos, amplificadores, Todo mundo vai sair ganhando, o público, as bandas, os comerciantes, o Brasil, teremos um produto de exportação.

É uma revolução que já começou.

Se tudo isso vai realmente acontecer ???  É claro que vai…

Basta que todos nós, Headbangers de todas as áreas (fãs, músicos, jornalistas, bandas, empresários), todos aqueles que têm o Metal no sangue e no coração, façamos a nossa parte do jeito certo ou seja, com dedicação, confiança, comprometimento, competência, foco, profissionalismo e amizade. E tudo isso vai acontecer.

ESSA É A NOSSA PROFECIA AUTO-REALIZÁVEL.

Bem-vindos à Revolução.

Bem-vindos ao Portal Wikimetal.

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Categorias: Opinião

Apaixonado por música, em particular por rock e heavy metal, co-fundou o Wikimetal em 2011. Foi roadie do VIPER desde a fundação da banda até o final da tour do álbum 'Theatre of Fate'. Sempre teve o desejo de ajudar a difundir o heavy metal que foi alvo de tanto preconceito ao longo dos anos. O Wikimetal é uma forma de defender, propagar e perpetuar o metal no Brasil.