Três anos atrás escrevi um texto sobre o orgulho e a vergonha de ser metal.
No texto, eu falava como algumas bandas icônicas tentaram se afastar do “movimento heavy metal”. E como outras pessoas (Rob Halford, por exemplo) tiveram a coragem de assumir a sua paixão pelo metal, não só como tipo de música, mas como identidade, cultura e estilo de vida. Quem quiser ler, está aqui.
Hoje não escrevo sobre o orgulho, mas apenas sobre a vergonha de ser metal.
Eu me apaixonei pelo estilo (de música e vida) em 1983. Quando isso aconteceu, o Piece of Mind do Iron Maiden já tinha saído, mas eu e meus amigos aguardávamos ansiosamente pelo Powerslave. Eu tinha 14 anos.
Nos 37 anos que se sucederam, eu tive e tenho uma relação intensa com o metal.
Fui roadie em tempo integral do Viper por toda a “Era Andre Matos” desde a demo tape The Killera Sword, passando pelo Soldiers of Sunrise até o Theater of Fate e depois em alguns shows do Evolution, Vipera Sapiens e Maniacs In Japan;
Anos depois, montei um festival na empresa que eu trabalhava com mais de 80 funcionários mobilizados para realizar shows de rock e metal com fundo beneficente;
Criei o Wikimetal faz quase 10 anos com meu sócio Nando Machado, que atua no mercado da música desde 95 e teve o brilhante Exhort, uma das melhores bandas do metal nacional;
Ajudo a produzir conteúdo desde então, estamos chegando ao episódio 300 do podcast de metal mais antigo do país;
E sigo incessantemente ouvindo o som que tanto amamos (enquanto escrevo estas linhas, ouvi o novo do Trivium, do In This Moment e do Five Finger Death Punch, todos lançados este ano. Além de todas as velharias que sigo ouvindo. O tempo todo).
Esse mini-currículo é só para embasar que eu amo e sigo vivendo essa cena faz tempo.
E apesar disso, acho que nunca tive tanta vergonha de ser metal como neste fim-de-semana ao ler os comentários postados nas redes sobre as saídas da Fernanda Lira e Luana Dametto da banda Nervosa.
Em tempo: Nervosa nem é o estilo de som que eu mais curto. Acho bem executado (melhorou demais em relação ao primeiro álbum) mas ainda assim não é o som que vou colocar em casa espontaneamente pra ouvir. Gosto é gosto, e cada um tem o seu… E tudo bem!
Mas é inegável o que essas mulheres fizeram (e espero, ainda farão) e conquistaram em nome do movimento do metal nacional. É de bater palmas de pé, mesmo. Pra sempre! Elas estiveram na linha de frente representando o metal do Brasil em mais de 60 países. E mais: mostrando como mulheres são foda!
Se tivéssemos recebido apenas alguns comentários depreciativos, seria normal e até esperado. Afinal, idiotas existem em todos os lugares. Mas quanto seria normal? 5%? 10% dos comentários? Quanto seria “aceitável”?
Ver uma maioria tecer comentários machistas, misóginos, racistas, preconceituosos, sexistas é muito dolorido.
É pra dar vergonha de ser metal pra qualquer ser humano decente. E não pouca vergonha. Muita, mesmo.
Eu sei que as 3 (Prika Amaral é a única integrante que permanece na banda) devem estar mais do que acostumadas a essa reação.
Eu não estou. E foi muito chocante constatar a podridão de tantas pessoas.
Nestes momentos (e temos vivido muitos desses, em história recente) eu sempre busco conforto na icônica frase de Martin Luther King, “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Assim posso me consolar que deve ter muito headbanger por aí que não concorda com esses comentários mas simplesmente não se manifesta, só fica em silêncio.
Tomara que seja isso. Menos mal.
Mas o silêncio já não é suficiente. Que os bons se manifestem. É hora de gritar contra esses acéfalos, invejosos e ressentidos.
E se você vai me xingar por eu ter escrito este texto onde atesto a minha vergonha de ser metal para defender uma banda feita por mulheres, símbolo de uma nova era, só posso te agradecer: Você só comprova que tenho razão, e misóginos como você, de fato, existem.
Mas os agradecimentos de verdade e do fundo do meu coração, vão pras mulheres, competentes, iradas e destemidas que fazem a nossa empresa avançar firme em direção ao episódio 300 e aos 10 anos de existência do Wikimetal.
Num país tão difícil de manter uma empresa, ainda mais por quase uma década, ainda mais no ramo de música, ainda mais de metal… só é possível contando com o trabalho espetacular de mulheres incríveis como vocês:
Muito obrigado, Clarice Valdívia, Erica Roumieh, Isabela “Pétala” Alcântara, Julia de Camillo, Marcela Lorenzetti e Simone Catto. Uma honra saber que mais da metade da empresa é feita por mulheres incríveis como vocês!
Obrigado também às mulheres da Nervosa por tudo que fizeram até aqui.
Por fim, um último pensamento para essas pessoas que se dizem “metal” e que postam esses comentários carregados de inveja:
O que será que nossos grandes ídolos do metal pensariam ao ler esse seu comentário machista sobre a meninas da Nervosa? O que será que eles te diriam se pudessem? Um Steve Harris, um Bruce Dickinson? Um Iommi, Geezer, Ozzy ou Bill? Um James, Lars, Kirk ou Robert? Um Halford, um Mustaine? E tantos outros.
Se você acha que eles curtiriam, você de fato, não entende nada deste movimento que existe desde 1970 e acompanho desde 1983.
Eles também sentiriam “a vergonha de ser metal”, título deste texto. E olhariam pra você com desprezo.
E vocês passariam vergonha. E não pouca. Muita, mesmo.